Valor Econômico
11/03/2020

Por Vandson Lima, Fabio Murakawa, Renan Truffi, Marcelo Ribeiro e Mariana Ribeiro

Parlamentares pediram a retirada de proposta que alicerçou o acordo de Alcolumbre com governo

Um dia após o presidente Jair Bolsonaro sugerir que se o Congresso desistir da proposta de manter o controle sobre R$ 15,1 bilhões do Orçamento da União, as manifestações populares que miram o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal (STF) poderão nem acontecer, as negociações para aprovação das regras do Orçamento impositivo entraram em colapso. O ministro da Economia, Paulo Guedes, no entanto, agiu para evitar que o mesmo ocorresse com as pautas econômicas que tramitam no Legislativo.

Guedes tem defendido que as reformas são a melhor resposta do país à crise internacional e, diante da deterioração do cenário externo, encaminhou um ofício aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pedindo a aprovação dos projetos considerados prioritários pela equipe econômica.

A lista traz 19 propostas que estão em tramitação no Congresso, entre eles o Plano de Equilíbrio Fiscal, a autonomia do Banco Central, a privatização da Eletrobras, o Marco Legal do Saneamento e a MP do Emprego Verde Amarelo.

O próprio Maia pediu que o governo articulasse uma agenda que vá além das reformas. Mesmo assim, as discussões em relação ao Orçamento impositivo têm criado arestas entre o governo e diversos partidos.

Ontem, parlamentares, por motivos diversos, uniram-se para enviar ao presidente uma carta, solicitando que ele retire o PLN 4, que dá ao relator do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), poder de indicar os beneficiários e prioridades na execução referente aos valores de emendas do relator.

O pedido para Bolsonaro retirar a proposta uniu integrantes do PSL, Novo, Podemos e Rede. Os governistas do PSL querem concentrar os poderes sobre o orçamento em Bolsonaro. Os demais, evitar colocar nas mãos da cúpula do Congresso o poder sobre a destinação de tanto há 3 horas dinheiro em ano eleitoral e último das gestões de Maia e Alcolumbre no comando do Legislativo.

As sessões na Comissão de Orçamento (CMO) e do Congresso Nacional, chamadas para votar as propostas, foram suspensas ontem. A articulação irritou o Centrão, que promete revide. Irritados com a iniciativa de Bolsonaro, os integrantes do grupo afirmam ter uma “carta na manga” para garantir que o acordo celebrado entre o Palácio do Planalto e o Congresso seja cumprido integralmente. Caso o presidente retire o PLN 4, deputados e senadores poderiam retomar esse trecho em outro PLN, o 2, que trata da regulamentação do Orçamento Impositivo, já aprovado na CMO.

Se Bolsonaro seguir o pedido dos congressistas que pediram a retirada do projeto que fortalece o relator do Orçamento, na prática ele implodirá o acordo feito com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e principalmente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Na semana passada, o Congresso cumpriu sua parte no trato e concordou em manter os vetos feitos pelo presidente ao Orçamento impositivo, em troca do envio dos PLNs com regras para a medida. De quebra, fica em situação delicada o articulador político do Planalto, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo.

Se o acordo for de fato rompido, Ramos perde credibilidade junto a Maia e Alcolumbre. Por outro lado, se o pacto sobreviver, Ramos pode arcar sozinho com o ônus de, aos olhos de parte da base de Bolsonaro, “ter induzido o presidente a erro” ao deixar nas mãos do Congresso o controle sobre bilhões do Orçamento.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, que também participou das negociações, tem tentado se desvincular do tema por não ter concordado com os termos do pacto. Ramos, por sua vez, tem procurado demonstrar que o acordo foi feito em parceria com o Ministério da Economia e com o conhecimento de Bolsonaro. Guedes esteve, inclusive, com Ramos na residência oficial da Presidência do Senado, quando foi costurado o acordo com Maia e Alcolumbre.

Um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro, Ramos sofre agora um processo de fritura. Além de Guedes, que vem demonstrando insatisfação nos bastidores com o acordo, Ramos entrou na mira de Carlos Bolsonaro, filho do presidente e vereador no Rio pelo PSC. Carlos vem despachando no Planalto desde quinta-feira e não esconde a insatisfação com o acerto fechado com o Congresso.

Na segunda-feira, o filho do presidente postou um tuíte que foi compreendido como endereçado a Ramos: “Tenho atuado como posso, entretanto é visível que o Presidente está sendo propositalmente isolado e blindado por imbecis com ego maior que a cara”.

Interlocutores afirmam que já se cristalizou o entendimento no Planalto de que houve um erro do governo ao deixar que o Orçamento fosse aprovado com tanto dinheiro sob o controle do Congresso. A guerra de narrativas gira em torno de quem é o pai do erro: a articulação política ou a equipe econômica, que também acompanha as discussões da LDO. Se Bolsonaro comprar a ideia de que o erro foi de Ramos, ele sairá enfraquecido da história e com o cargo em risco.

Na Comissão de Orçamento, dos três projetos do acordo, apenas o PLN 2, o mais simples e que regula o orçamento impositivo, foi aprovado. Ficaram para hoje o PLN 3, que devolve R$ 9,6 bilhões de emendas do relator-geral ao governo para gastos discricionários, e o principal, PLN 4, que dá ao relator Domingos Neto o poder de indicar os beneficiários e prioridades na execução referente aos valores de emendas do relator, de aproximadamente R$ 15,1 bilhões.

Isto só ocorre se, na execução de emendas, a iniciativa parlamentar reforçar a dotação original proposta pelo Executivo, e apenas em relação ao montante que foi acrescido. Por exemplo: em uma dotação original de R$ 100 milhões que foi elevada para R$ 120 milhões, o relator-geral ou a comissão orientarão apenas a execução dos R$ 20 milhões extras. Na prática, sem o PLN 4, o governo Bolsonaro não precisa seguir indicação alguma do relator – e em última instância, dos presidentes do Congresso, que tem influência sobre ele.