Jornal do Comércio
09/03/2021

Previsto inicialmente para sair em 2020 e postergado para este ano, o edital da concessão do saneamento em Porto Alegre terá ao menos mais um ano de estudos e será lançado no início de 2022. Até lá a prefeitura projeta esgotar a etapa de consultas, estabelecer o modelo que irá ao mercado e realizar mais uma audiência pública – a primeira foi realizada no fim de fevereiro.

Uma consulta pública, aberta em dezembro passado, recebeu até 1º de março mais de 700 manifestações, sendo 60% assinadas por investidores, 38% pela sociedade civil e 2% por entidades de classe.

Atualmente, o abastecimento de água e tratamento de esgoto sanitário é feito pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), que é superavitário: em 2019, o resultado foi positivo em R$ 155 milhões.

Titular da Secretaria Municipal de Parcerias, Ana Pellini reconhece que “o Dmae tem prestado um excelente serviço ao longo do tempo”, mas, apesar de contar com recursos em caixa, aponta que as amarras do serviço público dificultam o avanço no caminho da universalização do atendimento, em especial do tratamento de esgoto.

Pelo levantamento da consultoria contratada pelo BNDES, a cidade tem cobertura total no abastecimento de água, porém, são conhecidos casos recorrentes de intermitências, especialmente no verão. Em se tratando de esgoto, a coleta chega a 71,5% das economias ativas e o tratamento é de 56%. Os dados foram fornecidos pelo Dmae e correspondem ao ano de 2020. Economia ativa, na linguagem do saneamento, é uma edificação com ocupação e instalação independentes para abastecimento de água ou esgoto.

A reforma no marco do saneamento (Lei Nº 14.026/2020) tem como meta atender 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até o fim de 2033.

O modelo proposto pelo BNDES para Porto Alegre prevê concessão de 35 anos com captação, tratamento e distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, gestão comercial e remuneração pela tarifa dos usuários.

Pela projeção, nos primeiros 10 anos de contrato a concessionária deverá ampliar para 96% o tratamento de esgoto e diminuir as perdas totais de água de 40% para 25%. Em investimentos, a proposta levada à consulta prevê R$ 2,17 bilhões para a melhoria dos sistemas de água e esgoto e R$ 11 bilhões na operação do sistema ao longo do contrato. O critério de julgamento é o maior valor de outorga, partindo de um mínimo de R$ 139,5 milhões (fixo) e uma outorga variável de 24,5% mensais sobre a arrecadação de tarifas.

Contudo, o prefeito Sebastião Melo (MDB) afirmou ainda não estar convencido de qual o melhor modelo para a concessão, ou mesmo se deveria abranger ambos os serviços. “Melo ouve a todos e ainda não tomou a decisão. A partir do momento que decidir, tem que focar os estudos no modelo escolhido”, conta Pellini.

É depois disso, já com a nova proposta em mãos, que outra audiência será realizada “para validar o edital”. Embora cautelosa com as datas, a secretária sustenta que o prazo não irá se estender para além de 2022 – ainda na primeira metade do governo, portanto.

Maior outorga não compromete serviço, avalia advogado

Pela Lei das Concessões, de 1995, a licitação deve atender alguns critérios, como o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado ou a maior oferta de pagamento ao poder concedente. Este último representa o modelo de maior outorga previsto pelo BNDES para Porto Alegre. Para Mateus Klein, do escritório Mateus e Felipe Klein Advogados, o modelo de concessão por maior outorga “garante nível de competição e não compromete a prestação do serviço”. Isso porque o modelo de concessão por menor tarifa pode resultar numa arrecadação menor que o esperado e consequente perda no nível de investimento, avalia.

Novo marco do saneamento facilita concessões

O saneamento, assim como a energia, o transporte e outros serviços públicos, pode operar por regime de concessão desde a Constituição Federal de 1988, mas somente em 2007 recebeu uma legislação específica – o marco do saneamento. Ainda assim, não foi atrativo ao setor privado, pondera o advogado Gustavo Kaercher Loureiro, sócio do escritório Souto Correa. Ele entende que a reforma do marco, em 2020, preenche essa lacuna. Hoje no Brasil vigoram dois modelos para a prestação do serviço de saneamento, quando este não é feito pelo próprio município: um é a concessão, o outro é o contrato de programa com empresas estaduais de saneamento – a Corsan, no caso do Rio Grande do Sul. Com a mudança no marco do saneamento, as empresas estaduais passam a concorrer com as privadas em licitações para atender um município ou mais, quando reunidos em consórcio.

Em Porto Alegre, que tem departamento próprio, a licitação não é uma exigência. Como a modelagem conduzida pelo BDNES é anterior à reforma do marco do saneamento, Loureiro entende como importante a cautela adotada pela prefeitura de rever a proposta, para que as alterações sejam incorporadas ao edital.