Valor Econômico
21/02/2020

Por Maria Luíza Filgueiras

Especialistas consideram situação da Cedae complexa demais para realização do IPO e pouco mais de um ano

Bancos de investimento e investidores institucionais consideram que a viabilidade de uma oferta pública de ações (IPO) de parte Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) do Rio de Janeiro depende de uma série de fatores e processos que demandariam prazo e muitos ajustes na companhia – o que dificilmente seria possível já para abril de 2021. A empresa não tem ainda segregações societárias, não distinguiu seus passivos entre atividades, precisa ter uma regra clara de preços para firmar contratos e nem sequer têm um assessor financeiro ou jurídico envolvido ainda no processo, conforme executivos ouvidos pelo Valor.

Para ter ideia, a paranaense Sanepar, que fez um “re-IPO” ao fim de 2016, tinha traçado inicialmente um plano que previa quatro anos de trabalho para viabilizar a oferta. Conseguiu realizar o plano em dois anos, mas já há apresentava desempenho operacional melhor que o da empresa fluminense. Nesse planejamento inicial da Cedae, que vive uma crise de abastecimento, o governo do Rio fala em cerca de um ano.

 “Há muito interesse dos investidores pelo setor de saneamento porque essas empresas têm muito o que melhorar em gestão e resultados e trazem receita perene”, diz um banqueiro. “Mas a situação de empresas públicas não é nada trivial e precisa passar por um processo longo de melhorias, etapas de privatização primeiro, ou teriam que aceitar preços ínfimos.” E a questão é que as empresas não podem aceitar esses descontos grandes pedidos por investidores, já que os tribunais de contas estaduais não admitem uma venda abaixo do valor patrimonial.

Além disso, é preciso definir, nas segregações de atividades de captação e abastecimento de água, por exemplo, como os contratos serão regidos. “Tem a forma e tem a essência. Na essência, essa desverticalização é positiva e a Cedae é um ativo interessantes pelo tamanho, pelas tarifas e pela potencial de ganho de eficiência. Já a forma precisa ficar muito mais clara, com regras do jogo definidas”, afirma um executivo do setor. Se a empresa pretende separar a captação e a distribuição de água, precisa definir quanto vai cobrar pela água deste operador privado e como vai garantir seu abastecimento, por exemplo.

Segundo declarações do governador do Rio, Wilson Witzel, a intenção é privatizar o tratamento de esgoto e fazer IPO da captação de água em abril do ano que vem. A listagem em bolsa faria venda de ao menos 60% das ações, ou seja, abrindo mão de controle, estipulando o valor dessa companhia entre R$ 5 bilhões e R$ 6,7 bilhões.

Para investidores, é impossível dizer agora se os valores são altos ou baixos. A Cedae não traz em seu balanço a distinção de resultados de tratamento de esgoto e de abastecimento de água, por exemplo. “O balanço mostra uma empresa lucrativa mas com passivos elevados. Quanto desse passivo é de cada área?”, questiona um investidor institucional que tem avaliado ativos de saneamento. “Não se sabe quanto dos R$ 2 bilhões referentes a previdência se refere a funcionários do segmento a ser privatizado e do segmento alvo de oferta ou quanto cada subsidiária arca da provisão de R$ 13 bilhões de risco de crédito. O mesmo acontece com a distribuição dos ativos.”

Mesmo com interesse de investidores por privatizações no setor, o caminho das estatais que optaram pela bolsa de valores não tem sido fácil. Como antecipado ontem pelo Valor PRO, a Cagece, estatal do Ceará, decidiu adiar seu IPO por falta de demanda – sendo que seu processo de oferta já estava protocolado na CVM desde dezembro. A operação deveria ocorrer este mês. “A demanda de investidores foi fraca, com muitos questionamentos sobre governança”, diz um executivo ligado à companhia. O mesmo acontece com a Saneago, de Goiás. “A Saneago e a Cagece estão com dificuldade de atrair investidor ao preço pedido em seus IPOs e têm situação menos complexa que o Rio”, diz uma fonte. Como os processos já são complexos do ponto de vista político, as empresas decidem adiar em vez de reduzir preço, ou a administração pública estará sujeita ainda a questionamento dos tribunais de contas.