Valor Econômico

18/05/2020

Por Hugo Passarelli

Fatia dos produtos básicos nas vendas externas de janeiro a abril é o maior para o período desde ao menos 2008

A crise do novo coronavírus aumentou a dependência das exportações brasileiras das commodities. De janeiro a abril, o segmento representou, em valor, 67% do total das vendas externas do país. É o maior percentual já registrado desde pelo menos 2008, quando ficou em 42%, e oito pontos acima de igual período do ano passado, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

O movimento ocorre sobretudo porque os principais destinos dos produtos manufaturados do Brasil, como a Argentina e os Estados Unidos, ainda passam por paralisação generalizada das atividades comerciais em função da pandemia. Ao mesmo tempo, a China, principal parceiro comercial do Brasil, começa a relaxar as medidas de isolamento social.

Só em abril, o volume exportado de commodities aumentou 17,1% em comparação com o mesmo mês de 2019. No quadrimestre, houve alta de 8,1% ante o mesmo período do ano passado. Entre as não-commodities, o volume exportado recuou 30,1% e 18,4%, respectivamente, nas duas comparações analisadas.

 

 

 

 

“Provavelmente no segundo semestre não teremos exatamente esse cenário, as exportações devem ter um desempenho pior, só que as importações vão cair ainda mais”, afirma Lia Valls, pesquisadora associada do Ibre/FGV.

Com a liderança das commodities nos volumes exportados, o setor agropecuário registrou crescimento de 47,5% nas vendas externas entre abril de 2019 e deste ano, enquanto a indústria extrativa teve queda de 5%.

Já a indústria de transformação não conseguiu se beneficiar da desvalorização cambial e encolheu as exportações em 17,1%. “O câmbio não resolve se não há clientes”, diz Welber Barral, sócio da consultoria Barral M Jorge e ex-secretário de comércio exterior. De acordo com o Ibre/FGV, todos os segmentos da indústria computam, de janeiro a abril, queda nos volume exportados.

Como resultado, a China tem importância crescente na pauta de exportações do brasil. As vendas para o país asiático cresceram 30,9% em abril na comparação com o mesmo mês de 2019. Para a Ásia como um todo, a alta foi de 28,2%. Segundo Barral, é natural que os chineses tentem recuperar estoques após o início de ano fraco. “Os países estão fazendo assim como as pessoas, que correram aos supermercados com o medo de desabastecimento”, afirma.

Nesse contexto, os atritos entre as diplomacias brasileira e chinesa preocupam. “A Ásia está sendo afetada por essa pandemia, mas a situação não parece tão desastrosa como na Europa ou EUA, o que reforça a importância de manter laços amigáveis com os chineses”, afirma Lia.

Segundo ela, o impacto da postura hostil do governo em relação aos chineses não deve aparecer no curto prazo. “Pode ser que nas exportações apareça algum tipo de barreira fitossanitária, mas a grande questão são os investimento de longo prazo em infraestrutura. Para que se concretizem, é preciso um ambiente minimamente amigável.”

Na opinião de Barral, o risco é maior. “Cada vez mais a China é altiva nas relações externas e isso vai se refletir tanto em exportações como investimentos.”

Para os demais mercados, o volume exportado caiu na comparação mensal e nos quatro primeiros meses do ano, com destaque para as quedas anuais para a Argentina (45,2%), demais países da América do Sul (40,5%) e Estados Unidos (26,1%). Nas vendas para a União Europeia, a retração é menor porque a presença de commodities é mais intensa na pauta para esse mercado.

O desempenho das commodities foi determinante para o resultado geral das exportações, que subiram 0,3% em abril ante um ano antes, enquanto as importações caíram 7,6% no mesmo intervalo. Segundo o Indicador de Comércio Exterior (Icomex), as importações vinham registrando alta na comparação interanual desde dezembro, e em março tiveram avanço de 15,4%.

“Risco de novas desvalorizações cambiais e efeitos defasados entre os contratos e a mudança no cenário doméstico com a tendência recessiva na economia explicariam o resultado”, diz o estudo. Assim, a queda nas importações em abril indica que o cenário de retração do nível de atividade foi incorporado pelos operadores do comércio exterior.

O levantamento ressalta que, no acumulado do ano até abril, as exportações recuaram 2,3% e as importações aumentaram 4,2%. Se as importações confirmarem a tendência de queda durante os próximos meses, a expectativa é de reversão do sinal no acumulado no ano.