Estadão
27/11/2019

Por Cassia Miranda

Prestes a ser votado na Câmara dos Deputados, o novo Marco Regulatório do Saneamento Básico busca a universalização do serviço até 2033. Para isso, é necessário investir R$ 22 bilhões por ano até lá. Em entrevista ao BRP, o relator da proposta, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), afirma que sem a regulamentação do serviço, o País não será capaz de atingir a universalização na oferta de água potável e tratamento de esgoto em menos de 60 anos.

BRP – Como avalia o período de discussão sobre o Marco Regulatório do Saneamento Básico?

Geninho Zuliani – Foi um processo muito importante e democrático. Nós ouvimos mais de 58 expositores trazendo opiniões, sejam elas da área técnica, das cidades, de associações, representantes de todos os segmentos envolvidos nesse processo. Chegamos à conclusão de se fazer um substitutivo que teve aprovação de 21 votos contra 13 (na Comissão Especial da Câmara). Obviamente que as resistências foram muito grandes, o Brasil tem muitas corporações, no saneamento de forma ainda mais aguda, mas com muita firmeza e acima de tudo dialogando. Foi assim que nós conseguimos aprovar o relatório.

BRP – Quais seriam essas “forças agudas”?

Geninho Zuliani – Principalmente os governadores, basicamente do Nordeste e funcionários públicos das estatais. Essas seriam as duas categorias que mais tiveram peso aqui no dia a dia. Os governadores não de forma direta, mas de forma indireta.

BRP – E como foi o diálogo com a Frente Nacional dos Prefeitos, eles têm posição contrária ao marco…

Geninho Zuliani – Eles estão totalmente equivocados, nós estamos empoderando muito os Estados e os municípios, que são os titulares do serviço de saneamento. Em primeiro lugar, a frente deveria ter aberto um diálogo com a gente, que não abriu, não participou do processo de discussão. Eu estou desconfiado de que o posicionamento da frente é muito mais político do que técnico. Mas a Confederação Nacional de Municípios que tem uma capilaridade maior, ela tem um posicionamento favorável ao relatório. Porque o nosso interesse é atender aos municípios, não aos prefeitos.

BRP – Qual seria o papel dos municípios e Estados no marco?

Geninho Zuliani – O prefeito é o responsável e titular, por garantia constitucional, por regular o sistema de saneamento do município. Aproximadamente de 1.500 a 2.000 prefeitos do País tocam o seu sistema de saneamento e tocam bem. Muitos já estão universalizados, principalmente dos Estados do Sul e Sudeste, e esses prefeitos – quase ¼ do Brasil – não precisam nem passar para as companhias estaduais e nem precisam privatizar. Já estão com a vida resolvida, então o nosso marco não vai mudar a vida deles. O nosso marco ele vem para combater os maus contratos, as más companhias estaduais. Ele pega justamente aqueles que não fazem a lição de casa. E os governadores, eles terão um papel fundamental naqueles Estados em que falta a universalização.

BRP – Por que o Brasil precisa de um novo Marco Regulatório de Saneamento?

Geninho Zuliani – Ele precisa pelos números óbvios que a gente verifica todos os dias na imprensa. Hoje, no Brasil nós temos um monopólio do serviço público no saneamento básico. Na contramão do que deu certo na Telecom, na contramão do setor elétrico, não aconteceu isso no saneamento básico. E isso foi caótico. Quando você coloca todos os atores e as possibilidades na mesa, fica muito nítido que, sem a entrada do setor privado, o saneamento não anda. Para universalizar esse serviço é necessário investir R$ 22 bilhões por ano até 2033, montante jamais registrado na história recente do País.

BRP – Quais critérios que seriam avaliados para o contrato das empresas privadas?

Geninho Zuliani – Hoje, os contratos que existem entre as estatais e as prefeituras são vergonhosos. Primeiro porque não tem licitação, não tem concorrência, não busca a melhor tecnologia, não tem plano de investimento adequado. São contratos que não são cumpridos muitas vezes e que não tem responsabilidade jurídica para nenhum dos lados. Com o nosso marco, a gente busca, tanto para o setor público quanto para o privado, – e é aí que vem muita resistência – que os contratos sejam feitos buscando concorrência e buscando as melhores tecnologias. E acima de tudo: contrato com cláusulas e garantias passíveis de serem analisadas por uma agência reguladora e que ele assuma a responsabilidade caso não sejam aplicados os investimentos necessários de uma parte ou de outra. Então, se o privado entrar ou se o público entrar a partir do nosso relatório aprovado, todos os contratos terão de seguir um padrão nacional, fiscalizado pelas agências reguladoras, e essas agências terão de prestar contas de se estão cumprindo a metodologia aplicada pela Agência Nacional de Água, que agora passa a se chamar Agência Nacional de Água e Saneamento Básico. Então é pra regular mesmo esse setor que está todo bagunçado.

BRP – O marco aprovado pode ser um caminho facilitador para que o Brasil, até 2030, atinja as metas de acesso à água potável e saneamento que a ONU propôs?

 Geninho Zuliani – O Plano de Saneamento Básico brasileiro de 2007 ele estipulava que todos os municípios deveriam ter saneamento básico universalizados até 2033. Então nós estamos seguindo a risca o que o Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico), diz. Nós estamos exigindo os investimentos até 2033, esse é o objetivo do nosso relatório. Eu não conhecia isso (o plano da ONU). Eu tô pondo como base o Plansab. Ou seja, faltam 14 anos para a gente buscar a universalização. Eu te falo com toda a franqueza e segurança: pelos estudos que nós fizemos e pelo nível dos contratos que estão aí hoje, nós não alcançaremos a universalização do saneamento básico em menos de 60 anos.

BRP – E se o marco for aprovado?

Geninho Zuliani – Eu acredito que sim, por vários aspectos. Primeiro porque eu considero o relatório adequado. Segundo, porque há dinheiro disponível no mundo hoje, e essa taxa de juros baixa facilita isso e ajuda muito o Brasil a buscar dinheiro fora. O terceiro lugar é que todo mundo tá olhando o Brasil como um ponto de investimento. E o que que nós precisamos ter: segurança jurídica adequada, que é o que trata o relatório, e uma boa regulação para dar garantia para todos os lados, inclusive para o usuário.

BRP – Qual é o ponto mais importante do relatório que vai mais impactar o consumidor final?

Geninho Zuliani – Eu acho que é a extinção dos contratos de programa, aquele que aceita a dispensa de licitação entre uma companhia estadual e as prefeituras. Com isso vai jogando pra frente o saneamento. Os governadores de alguma forma vão usando da sua influência para renovar isso com os prefeitos, não tem concorrência, não tem busca de tecnologia… Eu acho que esse é o grande bicho papão do saneamento.