Valor Econômico
05/10/2020

Por Taís Hirata

Com nova lei do setor, preocupação passa a ser também a qualidade dos projetos, diz presidente da maior companhia privada de saneamento no país

A instabilidade política no Rio de Janeiro é hoje uma das maiores preocupações da BRK Ambiental para investir no estado, segundo a presidente da empresa, Teresa Vernaglia. A companhia, controlada pela canadense Brookfield, é o maior grupo privado do setor no Brasil e acaba de ampliar ainda mais sua operação, com a recente vitória em um leilão de água e esgoto, para operar 13 cidades em Alagoas.

A empresa fez um lance ousado – de R$ 2 bilhões -, e derrotou grandes concorrentes, como Sabesp, Iguá, Aegea e Águas do Brasil.

A executiva deixa claro o interesse da empresa em continuar em expansão no país, principalmente após a aprovação do novo marco legal do setor. “Estamos nos preparando há três anos para esse momento”, diz ela.

Um dos alvos é a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que promete ser a maior desestatização do setor já feita e cujo edital está perto de ser lançado pelo BNDES. Ao todo, estão previstos investimentos de R$ 29 bilhões.

No entanto, a insegurança jurídica do estado pode fazer com que o grupo pense duas vezes em entrar no projeto, segundo a executiva. O temor é, em grande parte, reflexo do recente episódio de encampação de uma concessão rodoviária na capital, a Linha Amarela (Lamsa), da Invepar. O contrato foi anulado por decisão unilateral do prefeito Marcelo Crivella, sem qualquer indenização, e com o aval do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“Isso traz muita insegurança. Esse é o tipo de risco que não se pode medir. O risco que é mensurável, a empresa consegue decidir se toma ou não, com base no retorno do projeto. Agora, aquilo que foge ao controle traz muita preocupação”, disse, em conversa com o Valor.

Para além do temor de uma encampação em si, há receio em relação a interferências políticas no dia a dia da operação, por exemplo, nos reajustes tarifários. “No caso de uma operação do tamanho do Rio de Janeiro, é importante que as garantias sejam robustas. É muito difícil entra em um edital desse tipo, no qual se paga uma outorga no início, se assume um compromisso de investimento bilionário, sem que haja segurança jurídica”, diz

Passada a aprovação da lei do saneamento, a principal preocupação agora é a qualidade dos projetos, avalia Vernaglia.

“A fábrica de projetos é a preocupação maior. A ANA [Agência Nacional de Água e Saneamento Básico] já está se estruturando, tem trabalhado rápido. Há, ainda, decretos importantes que vão regulamentar a lei, há os vetos que ainda estão sendo discutidos. Agora, tudo isso não será suficiente se não tivermos projetos bons. E não estou falando de tamanho, mas da qualidade técnica do edital, a estrutura de tarifa, a alocação de riscos. Isso é o que nos importa”, diz.

Para ela, as companhias têm um papel importante em apontar os possíveis problemas do editais. A visão da executiva se reflete na recente atuação da BRK nos processos licitatórios em curso, nos quais a empresa tem feito diversos questionamentos e pedidos de impugnação.

“Seria muito frustrante, daqui a três anos, ver as empresas entregarem as concessões porque não são viáveis. Isso é muito ruim, e já vimos essa situação muitas vezes no passado. Sou a primeira pessoa que quer que todos os editais sigam em frente. Mas, depois de quase quatro anos para aprovar o novo marco, seria terrível ter projetos que a concessionária não vai conseguir viabilizar. Para daqui a cinco anos falarem ‘tá vendo, privatizou, olha como ficou’”, diz.

De olho nas oportunidades do mercado, a BRK acaba de concluir uma capitalização, que ampliou em cerca de R$ 500 milhões o caixa da empresa, e uma grande emissão de debêntures, no valor de R$ 1,1 bilhão.

Essa emissão – que saiu com uma certificação de sustentabilidade da organização especializada SITAWI – foi dividida em suas séries. A primeira, de R$ 795 milhões, tem uma taxa de CDI + 3,8% ao ano e prazo de 5 anos para o vencimento. A segunda série, de R$ 305 milhões, tem um prazo mais longo, de 14 anos, e custo de IPCA + 5,5%.

Os dois processos têm objetivo de alongar o prazo da dívida atual do grupo e aumentar a liquidez da companhia – recursos que servirão para os investimentos no contrato recémconquistado, de Alagoas, e para fazer frente aos novos projetos em estudo. Ao vencer o leilão da região metropolitana de Maceió, na última semana, a BRK se comprometeu a pagar uma outorga de R$ 2 bilhões ao governo alagoano. Além disso, terá que fazer investimentos de R$ 2,6 bilhões ao longo dos 35 anos de contrato – R$ 2 bilhões deverão ser feitos nos oito primeiros anos.

Neste momento, a BRK está estudando todos os projetos em aberto, afirma a executiva.

Em relação às privatizações, que são extremamente aguardadas no mercado, Vernaglia avalia que, nos próximos dois anos, nenhum processo deve se concretizar. Hoje, as duas principais candidatas a uma alienação de controle estatal são Sabesp e Copasa. “Não acredito que seja possível estruturar uma privatização no porte dessas empresas em um curto espaço de tempo. Até que esses processos aconteçam, muitas outras concessão terão sido feitas”, avalia.