Por Maria Cristina Fernandes e Andrea Jubé – Valor Econômico

02/01/2019 às 05h00

Numa posse repleta de quebras de protocolo, o presidente Jair Bolsonaro não economizou em palavras e gestos a disposição de demonstrar compromisso com as promessas de campanha, até mesmo com aquelas que atraíram o apoio de plateias mais radicalizadas. Ao discursar no parlatório do Palácio do Planalto, Bolsonaro disse que assume poder para libertar o país “do socialismo e do politicamente correto” e para “acabar com a ideologia que defende bandidos”.

Ao optar por um discurso sem nuances conciliatórias, o presidente busca arregimentar o apoio do eleitorado que o elegeu para os embates parlamentares que o esperam. A reunião dos ministros que definirá os primeiros atos do governo foi antecipada do dia 8 para amanhã. O tom dos discursos foi avalizado pelos generais da reserva que compõem o primeiro escalão do governo. “É o que seu eleitor espera. Um governo comprometido com a promessa de combater a corrupção e acabar com o comunismo desbotado que atrasa o país”, disse o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo.

O presidente rompeu o protocolo ao estender a bandeira brasileira, ao lado do vice-presidente Hamilton Mourão, e proclamar, do parlatório, “nossa bandeira jamais será vermelha”, refrão da campanha. Foi o momento que mais harmonizou os aplausos do público presente no salão nobre do Palácio do Planalto e aquele, vestido de verde e amarelo, na Praça dos Três Poderes.

O Gabinete de Segurança Institucional informou que 115 mil estiveram presentes à posse, cifra que frustrou a expectativa do novo governo de superar o público da posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003 (150 mil).

Tanto no discurso no Congresso Nacional quanto no parlatório, Bolsonaro citou o atentado de que foi vítima durante a campanha e do qual sobreviveu “graças às orações do povo brasileiro”. No discurso mais contido, no Congresso Nacional, o presidente prometeu “desideologizar” a política externa, sem citar a transferência da embaixada de Israel para Jerusalém, e desburocratizar os investimentos para “tirar a desconfiança e o peso do governo sobre quem trabalha e quem produz”.

Numa referência clara aos parlamentares que lhe deram posse, disse ter montado sua equipe “de forma técnica, sem o tradicional viés político que tornou nosso estado ineficiente e corrupto”. Ouviu do presidente do Senado, Eunício Oliveira, que o Congresso “não deixa herança maldita” e que “mesmo as melhores ideias podem ser aperfeiçoadas”.

A posse também fugiu do script ao acolher o discurso da primeira-dama Michelle Bolsonaro que, falando em libras, prometeu dedicar especial atenção aos portadores de deficiência, e agradeceu ao enteado Carlos Bolsonaro e ao seu “amado esposo”. Carlos também foi o filho escolhido para acompanhar o presidente eleito e a primeira-dama no carro aberto em que desfilou pela Esplanada.

Ao lado do vice Hamilton Mourão, o novo presidente repete, no parlatório, o bordão que usou durante a campanha: “Nossa bandeira jamais será vermelha” Em suas posses o ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva se fizeram acompanhar apenas pelas esposas, Ruth e Marisa Letícia. Dilma Rousseff, que não era casada, teve a companhia da filha Paula.

O filho prestigiado pelo presidente e pela primeira-dama é também aquele de relação mais conflituosa com a imprensa e que chegou a sugerir que as ameaças à vida do pai vinham de dentro da equipe. Se a intenção era a de reproduzir, na posse, o discurso que marcou a campanha, surtiu efeito. O momento mais aplaudido pelo público que lotou a Praça dos Três Poderes, o novo presidente disse ter sido eleito na campanha mais barata da história e que montou um governo “sem conchavos ou acertos políticos” para mudar o país.

A cerimônia no Palácio do Planalto deixou clara a nova configuração do poder. Os comandantes do Exército (general Edson Pujol), da Marinha (Ilques Barbosa Junior) e da Aeronáutica (brigadeiro Antônio Carlos Bermudez), que não têm status de ministros, se alinharam na primeira fileira, ao lado dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Os dois únicos ex-presidentes presentes à cerimônia de posse foram José Sarney e o senador Fernando Collor de Mello. Na cerimônia que deu posse coletiva aos ministros, o mais aplaudido, de longe, foi o da Justiça, Sérgio Moro.

No translado para as cerimônias, feito parcialmente em carro aberto, não faltou nem mesmo o gesto da arma e o lema “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” que marcaram a campanha. Ao tuitar uma mensagem aos brasileiros antes de seguir para a Catedral de Brasília, primeiro ato do dia, o presidente se valeu do bordão militar: “Vamos pra rampa, selva!”. Se havia alguma dúvida da força da farda neste governo, o juramento do vicepresidente Hamilton Mourão no Congresso, a dissipou. Foi em tom enérgico, de comando militar, que declarou: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição”.