Dólar fechou acima de R$ 3,80 pela primeira vez desde 2 de janeiro

Tássia Kastner – Folha de São Paulo

22.jan.2019 às 16h07

O dia negativo para os mercados financeiros no exterior, reflexo de um temor de novo acirramento da disputa comercial entre Estados Unidos e China, ganhou um componente adicional no Brasil com o discurso de Jair Bolsonaro (PSL) em Davos, considerado decepcionante.

O Ibovespa, principal índice acionário do país, já tinha um dia fraco, mas acelerou as perdas após a fala de menos de 10 minutos de Bolsonaro. Ao longo da tarde, nova rodada de perdas foi disparada pela piora no mercado acionário americano.

O Ibovespa encerrou o dia em queda de 0,94%, a 95.103 pontos. O giro financeiro foi menor que o dos últimos pregões, R$ 13,8 bilhões.

Analistas do mercado financeiro minimizam a primeira impressão ruim do novo presidente brasileiro em apresentação ao mercado financeiro. Marcelo Giufrida, sócio da Garde Investimentos, diz que o novo governo traçou uma estratégia de não detalhar muito do que virá da reforma da Previdência enquanto o novo congresso não tomar posse.

Por isso, investidores não deveriam esperar nada muito específico sobre a reforma da Previdência, diz.

“Particularmente nesse ponto, o discurso não me surpreendeu. Não adianta conquistar todo mundo e não aprovar a reforma no Congresso.”

Mas ele acrescenta que o discurso foi rápido e muito superficial e “perdeu chance de fazer alguma coisa mais ambiciosa”.

Para Alvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Modalmais, a frustração reflete um discurso pouco incisivo e falhou em abordar temas que interessam a investidores internacionais.

“Faltou ser mais incisivo, dizer eu vou fazer o ajuste fiscal, eu vou fazer reforma da Previdência”, diz Bandeira.

Victor Candido, da Guide Corretora, acrescentou ainda que seria incoerente o governo apresentar a reforma da Previdência no exterior sem antes discuti-la localmente. Para ele, novos trechos do projeto devem começar a ser noticiados informalmente assim que o presidente retornar da Suíça. Seria a repetição do instrumento de balão de ensaio, divulgar propostas e testar a recepção junto à opinião pública.

Analistas dizem que não veem risco de derrota da reforma da Previdência no Congresso com o escândalo político relacionado a Flávio Bolsonaro, senador eleito (PSL-RJ) e filho do presidente.

“Acho que o negócio está mal explicado, mas está naquela fase inicial em que o governo que tem muito poder”, afirma Giufrida.

Para ele, o impacto maior, por enquanto, será sobre a opinião pública, que está decepcionada.

Candido concorda que, por enquanto, a situação está “sob controle”.

O economista-chefe da Guide diz, porém, que esse é um dos três riscos que precisam ser monitorados pelo mercado. Além do escândalo, é preciso acompanhar a cirurgia do presidente e também o cenário externo.

Ao final do pregão, os principais índices americanos recuavam ao redor de 2%. No final da tarde, o jornal Financial Times noticiou que os Estados Unidos se recusaram receber representantes chineses para uma reunião preparatória para a negociação entre os dois países que tem chances de por fim à disputa comercial travada há quase um ano.

Durante reunião do G20, no final de novembro, os dois países acertaram uma trégua de 90 dias para costurar um acordo e o primeiro encontro, no começo do mês, havia sido considerado um sucesso por investidores. O prazo se encerra em março.

A disputa entre os dois países também azeda o câmbio. O dólar começou o dia em queda e chegou a ser cotado a R$ 3,7470, mas fechou em alta de 1,14%, a R$ 3,8040. É o maior patamar desde 2 de janeiro, o primeiro dia de negócios após a posse de Bolsonaro.

A moeda já havia entrado em um ciclo seis sessões de alta, apesar do otimismo do mercado com o país. No exterior, de 24 divisas emergentes, 20 perderam valor para o dólar.