Folha de São Paulo
23/11/2020

Por Nicola Pamplona

Para banco, posse de novos prefeitos pode atrasar negociações com municípios

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) reforçou nesta segunda (23) apelo ao governo do Rio que aprove a venda da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) ainda em 2020, sob o risco de inviabilizar o processo após a posse de novos prefeitos.

Na avaliação do banco, a mudança de comando em prefeituras pode representar o reinício das discussões com os municípios que já decidiram participar do processo de concessão, que envolve os serviços de água e esgoto da capital fluminense e de outras 46 cidades do estado.

No momento, o BNDES e o governo do Rio discutem os parâmetros para precificar a água que será vendida pela Cedae aos concessionários que vencerem os leilões. O modelo elaborado pelo banco prevê que a captação continue estatal, com a divisão dos serviços de água e esgoto em quatro grandes blocos.

“Estamos num caminho crítico, num ponto de decisão”, disse o diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs (parcerias público-privadas) do BNDES, Fábio Abrahão. “Se escorregar para 2021, vamos ver a discussão por prefeitos que não participaram do projeto e a retirada da legitimidade dos prefeitos que já discutiram o processo com o banco.”

Abrahão participou de seminário sobre saneamento promovido pela Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro). Na abertura do evento, o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, já havia pedido urgência na aprovação do leilão, alegando que “esse momento não pode ser perdido”.

Para dobrar resistências, o BNDES tem repetido que a concessão da Cedae será o maior projeto de infraestrutura do país, com investimentos de R$ 31 bilhões na universalização do serviços mais R$ 10,6 bilhões em bônus de outorga mínimo.

O governador em exercício do Rio, Cláudio Castro (PSC), porém, levanta dúvidas sobre a sustentabilidade da parte da Cedae que permanecerá estatal. Em discurso no seminário desta segunda, frisou não ser contra o projeto, mas diz que quer evitar o risco de ficar com uma empresa dependente de aportes do estado.

“O valor da Cedae que fica [com o estado] é fundamental, porque precisa ter dinheiro para fazer os investimentos necessários e precisa ter condições de sobreviver”, afirmou. “Senão o estado terá que colocar dinheiro nela, dinheiro retirado da segurança, saúde, educação.”

As discussões entre o banco e o governo do estado estão concentradas hoje na tarifa que a Cedae estatal cobrará dos novos concessionários. As contas do BNDES consideram R$ 1,46 por metro cúbico. Caso o valor seja elevado, o valor da outorga mínima pode ser reduzido.

O banco alega que o modelo garante a sustentabilidade da estatal e dá ao governo do Rio ao menos R$ 8,5 bilhões em valor de outorga, sem contar com eventual ágio nos leilões. A definição da tarifa de água é fundamental para que os municípios assinem os contratos de participação antes da publicação do edital do leilão.

No seminário da Firjan, o coordenador do grupo de meio ambiente do Ministério Público Estadual, promotor André Dickstein, defendeu que o governo do Rio crie uma conta específica para receber os recursos da concessão, com o objetivo de dar maior transparência ao destino do dinheiro.

Pediu também que parte dos recursos sejam usados em investimentos em saneamento e defendeu mudanças na agência reguladora estadual, que ficará responsável por fiscalizar as concessões. “É preciso tirar a Agenersa [Agência Reguladora de Energia e Saneamento] do modelo atual de precarização e captura política.”