Secretário de Fazenda diz que banco deve se voltar para privatizações, gás e saneamento

Fábio Pupo – Folha de São Paulo

2.jul.2019 às 2h00

O Ministério da Economia pretende começar neste ano a redução do volume de financiamento concedido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), como parte da política de reduzir a participação de bancos públicos no crédito.

O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, diz que a intenção é “calibrar” os desembolsos da instituição já em 2019 para ficarem abaixo do patamar de R$ 70 bilhões visto nos últimos dois anos.

Ele afirma que está sendo revisto o papel do banco, que deve se voltar para temas como privatizações, mercado de gás e saneamento.

Ao mesmo tempo, a intenção é que instituições privadas mais que ocupem o espaço das públicas, fazendo o crédito no país crescer de 47% para mais de 50% do PIB em até quatro anos (diferença que representa cerca de R$ 200 bilhões). 

Em entrevista sobre os seis meses do Ministério da Economia, ele fala ainda sobre a queda nas projeções do PIB, defende o foco da pasta na Previdência, nega que medidas polêmicas do Executivo tenham atrapalhado o andamento dos trabalhos e diz que a equipe pretende manter o protagonismo da agenda econômica diante do avanço do Congresso na área.

O governo começou o ano prevendo crescimento de 2,5%, e hoje o BC projeta expansão de 0,8%. O que está acontecendo? 

São expectativas em relação ao potencial da economia. Tínhamos um novo governo endereçando uma democracia liberal com capacidade de resposta e com uma equipe econômica centrada no mercado privado [o que teria impulsionado as expectativas].

Além disso, a discussão sobre a reforma da Previdência [no governo] não era se era necessária, mas em que medida. Comparado a um ano atrás, é uma grande mudança.

Mas então essas expectativas caíram. 

A aprovação da reforma da Previdência é uma mudança dramática, a maior reforma paramétrica…

Mas a Previdência avançou na Câmara, e as projeções seguiram caindo. 

Quando aprovada e efetivada a reforma, a mudança será substancial e trará um ganho de expectativas gigantesco. Pode impactar em 0,25 ponto percentual adicional de crescimento por ano. Isso [expectativas em baixa] pode ser revertido. O grande fator de crise nos últimos anos foi o aumento substancial dos gastos públicos. E, com a reforma da Previdência, estamos atacando isso. 

Não se fica muito tempo voltado à reforma enquanto outras medidas são seguradas? 

O trabalho foi paralelo. À medida que a reforma da Previdência avançava no Congresso, intensamente trabalhávamos em iniciativas como o recém-anunciado acordo Mercosul-União Europeia e medidas liberalizantes e de redução do Estado. [Outras] serão anunciadas no tempo devido.

O ministério teve foco acertado, pois não teremos capacidade de avançar substancialmente nas outras agendas se o déficit previdenciário não for atacado de maneira incisiva.

Polêmicas do Executivo em outras áreas não atrapalham a agenda do ministério? O foco do governo no momento não precisa ser a economia? 

A pauta do Executivo tem diversas vertentes, como a agenda de costumes e a econômica. As diretrizes são dadas pelo presidente da República. Da nossa parte, temos tido foco de energia e tempo para essas medidas.

Por exemplo, a pauta do gás [conjunto de medidas que liberam o mercado do setor, hoje dominado pela Petrobras, ainda pendente de decisões do Cade e do Congresso] é espetacular, com forte efeito em emprego e renda. Sinceramente não vejo que nenhuma ação tomada nesses seis meses tenha causado detrimento para a agenda [econômica].

O ministério pretende reagir à tentativa de protagonismo do Congresso na agenda econômica? 

Acreditamos em um jogo de ganha-ganha. Medidas de ajuste fiscal, que melhorem o mercado de capitais, que mudem a composição de crédito, que quebrem monopólio em gás e saneamento, que reformem fundos públicos… Todos esses são protagonismos que pretendemos ter.

Em breve anunciaremos uma reformatação do sistema recuperacional e falimentar da economia e faremos isso em acordo com o Congresso. De quem será o protagonismo? Da sociedade brasileira.

Os bancos públicos estão em processo de enxugamento. Quanto o crédito privado poderia ocupar do mercado?  

O crédito representa hoje 47% do PIB, ou R$ 3,2 trilhões. É abaixo do potencial em comparação com países com renda per capita similar. Na comparação com mais desenvolvidos, estamos bem abaixo.

Do total, mais ou menos metade do crédito é pública, e a outra, privada. Entendemos que a barreira dos 60% do PIB pode ser vencida ao longo dos anos e, em três ou quatro anos, [o país poderia] ultrapassar 50% ou 55%. Cada ponto percentual representa de R$ 65 bilhões a R$ 70 bilhões. A intenção é reduzir o público de maneira responsável, respeitando a governança, e aumentar mais que proporcionalmente o privado. 

Como? 

Na medida em que melhorou o perfil de crédito público e crio incentivos para o mercado privado, em particular via mercado de capitais, essa velocidade ganha corpo.

No BNDES, havia R$ 270 bilhões de empréstimos concedidos pela União a valores que eram desfavoráveis à sociedade brasileira, sobretudo em termos de custo para o Tesouro. E com fortíssima má alocação.

Temos resultados emblemáticos, como empréstimos feitos à JBS, à Marfrig, ao grupo X [criado por Eike Batista] e a outros que se mostraram indevidos.

O ex-presidente do BNDES Joaquim Levy mostrava resistências para as devoluções. Com a troca de presidente, haverá o pagamento integral dos R$ 126 bilhões requisitados em 2019? 

Nossa expectativa é que retornem, porque as análises apontam uma liquidez substancial para o banco bem como para as regras de requerimento de capital. A diretriz é clara, mas as condições são dadas pelo próprio banco. É uma decisão do BNDES.

Entendemos que a sociedade como um todo ganha, porque está dentro da diretriz de mudar o perfil de crédito no país e também de apontar qual a função do banco. 

E qual seria? 

O BNDES criado na década de 1950 tinha uma função, mas em governos anteriores essa função ganhou outra conformidade. No ano passado, o desembolso do BNDES foi de R$ 69 bilhões. Neste ano, entendemos que pode ser calibrado e ser menor do que da ordem de R$ 70 bilhões.

Depende das funções que o banco priorizar, de qual o foco. Entendemos que há áreas em que ele pode trabalhar de maneira mais eficiente e com maior capacidade de entrega para a economia e a sociedade.

Por exemplo? 

Na privatização [participando dos estudos], no relacionamento com estados e municípios, na modelagem do novo mercado de gás e na política de saneamento. São elementos que podem trazer ao banco um novo perfil. 

Paulo Guedes anunciou a liberação de R$ 100 bilhões em compulsórios de banco. Quando isso deve acontecer?  

Essa colocação pelo ministro foi em termos de uma intenção de melhoria de crédito. Tem políticas creditícias que podem ser melhoradas por ações do ministério e outras do BC.

A determinação com relação a compulsórios é uma ação do BC. O que o ministro apontou é que há possibilidades de melhoria e citou R$ 100 bilhões ao longo dos anos com medidas de compulsório.

Mas como e quando seria feito? 

Eu prefiro que o BC se pronuncie sobre isso. [Mas] Há total consonância entre o Ministério da Economia e o BC.