Valor Econômico
23/06/2021

Por Estevão Taiar e Alex Ribeiro

Mas o colegiado fez a ressalva de que, caso as circunstâncias exijam, poderá elevar a Selic acima da taxa neutra de 6,5% ao ano

O Comitê de Política Monetária (Copom) debateu a possibilidade de um aumento maior da Selic já na reunião da semana passada para cumprir a meta de inflação de 2022, depois de um provável estouro neste ano e diante de uma recuperação mais forte do que o esperado da economia. É o que mostrou a ata do colegiado divulgada ontem. Ainda assim, o comitê do Banco Central (BC) optou por manter o ritmo de altas de 0,75 ponto percentual por reunião e sinalizar a possibilidade de elevação maior no próximo encontro.

“Frente à revisão da trajetória de política monetária implícita nas suas projeções [de inflação], o Comitê avaliou uma redução mais tempestiva dos estímulos monetários já nesta reunião”, disse, comunicando que discutiu uma alta mais forte, provavelmente de um ponto percentual, da taxa básica de juros. “Considerando os diversos cenários alternativos, o Comitê entendeu que a melhor estratégia seria a manutenção do atual ritmo de redução de estímulos, mas destacando a possibilidade de ajuste mais tempestivo na próxima reunião.”

Na semana passada, o Copom elevou a taxa básica de 3,5% ao ano para 4,25% ao ano e afirmou que “antevê” novo ajuste de 0,75 ponto para o encontro de agosto. Depois de colocar, durante a pandemia, a Selic na mínima histórica de 2% ao ano, o colegiado vem apertando a política monetária desde março.

Para 2021, o Copom projeta inflação de 5,8% – acima da meta (3,75%) e do intervalo de tolerância (5,25%). Mas, com o aperto monetário, espera baixar a inflação para 3,5%, a meta de 2022. Conforme afirmou na ata, o BC enxerga duas vantagens na estratégia de manter o ritmo de elevação e sinalizar para agosto um movimento igual, com a possibilidade de alta maior.

A primeira é “acumular mais informações sobre os tradicionais determinantes da inflação e, em particular, de alguns de seus aspectos qualitativos” que podem indicar inflação está mais persistente do que o esperado.

Até maio, o Copom vinha afirmando que estava diante de uma alta temporária da inflação, causada pela alta de preços de alimentos, commodities e bens industriais – e que poderia haver uma acomodação mais adiante, devido à elevada ociosidade da economia.

O quadro mudou a partir deste mês, e o colegiado passou a examinar se a inflação está mais persistente. Na decisão de agosto, o BC avaliará a evolução dos “preços mais inerciais, conforme o setor de serviços se recupera”, e o comportamento das expectativas de inflação, sejam do boletim Focus ou as implícitas nos preços de títulos.

Além disso, o Copom deixou para depois a decisão sobre uma possível aceleração no ritmo a fim de, antes, aparar algumas arestas em sua comunicação. O colegiado disse que vê vantagens em “esclarecer a distinção entre transparência sobre as projeções condicionais e intenções invariantes de política monetária”.

Um dos problemas é que o Copom havia sinalizado uma alta de 0,75 ponto para a reunião da semana passada, o que o mercado tomou como promessa. Por isso, eventual elevação de um ponto percentual poderia causar ruídos. O Copom já vinha sendo alvo de críticas por ter sinalizado que manteria, no fim do ciclo, a Selic em patamar que ainda estimulasse a atividade (“normalização parcial”).

O BC esclareceu que os cenários traçados para os juros são baseados em hipóteses e podem sofrer alterações. “O compromisso inequívoco do Banco Central é com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante e os passos futuros da política monetária são livremente ajustados com esse objetivo, conforme novas informações se tornam disponíveis”, disse.

Segundo a autoridade monetária, “indicações sobre a trajetória futura dos juros, sejam para a próxima reunião ou para o patamar final, são elementos úteis para a compreensão da função de reação da política monetária”. A função de reação é a maneira como o colegiado muda a taxa básica de juros conforme a evolução da conjuntura econômica.

“As informações obtidas no período entre as reuniões do Copom modificam as hipóteses presentes no cenário básico e no balanço de riscos, e naturalmente alteram a trajetória futura dos juros”, disse.

Em comunicado divulgado na semana passada, o Copom já havia abandonado a sinalização de que manteria algum estímulo monetário no fim deste ano e que levaria a Selic para patamar neutro, que não estimula nem deprime a economia. O diretor de política econômica do BC, Fabio Kanczuk, afirmou em abril que a taxa neutra de juros está em aproximadamente 6,5% ao ano em termos nominais.

Para um prazo mais longo, o Copom destacou ainda “que caso não haja mudança nos condicionantes de inflação, elevações de juros subsequentes, sem interrupção, até o patamar considerado neutro implicam projeções em torno da meta”. Ou seja:

com Selic em 6,5% ao ano o colegiado será capaz de cumprir a meta de 2022. “Sendo assim, tornou-se apropriada a normalização da taxa de juros para esse patamar [neutro]”, disse.

Mas o colegiado fez a ressalva de que, caso as circunstâncias exijam, poderá elevar a Selic acima da taxa neutra de 6,5% ao ano. Segundo o BC, a estratégia “será sistematicamente reavaliada conforme ocorrem mudanças nos determinantes de inflação ou no balanço de riscos”

Apesar de a inflação projetada para 2022 estar exatamente na meta, caso os juros subam a 6,25% ao fim do ano, o colegiado destacou que há mais chance de a inflação ficar acima do objetivo do que abaixo. A maior preocupação é o “elevado risco fiscal”. Essa assimetria “afeta o grau apropriado de estímulo monetário” e justifica “uma trajetória para a política monetária menos estimulativa” do que a do cenário básico. Em outras palavras, fixar a Selic acima de 6,25%, realizar um aperto mais rápido ou as duas coisas.