Valor Econômico
22/06/2020

Por Renan Truffi

Desde o início da pandemia, Senado aprovou US$ 300,2 milhões em financiamento para governadores e prefeito

O cabo de guerra entre Executivo e Legislativo por conta do risco de calote em empréstimos externos não impediu que os parlamentares continuem autorizando Estados e municípios a contraírem mais dívidas internacionais. Desde o início da pandemia, em março, o Senado aprovou US$ 300,2 milhões, aproximadamente R$ 1,5 bilhão, em financiamento para governadores e prefeitos abastecerem programas que não têm, necessariamente, qualquer relação com o combate à covid-19.

Ao todo, foram quatro empréstimos internacionais autorizados apenas no período da pandemia, ou seja, em três meses. Ainda que a União esteja despejando vultosos recursos para gastos emergenciais, os congressistas também validaram a aquisição de outras dívidas. As operações beneficiaram os governos de Alagoas, Paraná e as cidades de São Bernardo do Campo (SP) e São Gonçalo do Amarante (RN).

O Estado de Alagoas ficou com US$ 136,2 milhões para obras de saneamento, urbanização e transportes. Paraná terá US$ 50 milhões em função de um projeto de modernização da gestão fiscal. A cidade de São Bernardo do Campo solicitou US$ 80 milhões para a recuperação e o ordenamento socioambiental de seus bairros. Por fim, o município de São Gonçalo do Amarante receberá US$ 34 milhões para um programa de ações estruturantes. Os quatro empréstimos foram contratados em três organizações: Corporação Andina de Fomento (CAF), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata).

O aval para esse tipo de contratação preocupa a equipe econômica porque todas essas operações externas têm a garantia da União. Isso significa que, caso algum dos governadores ou prefeitos deixe de pagar suas parcelas, o governo federal tem de honrar os débitos para evitar uma inadimplência do Brasil no mercado internacional.

O assunto é foco de desgaste entre o governo e o Parlamento há algum tempo. Recentemente, o Congresso incluiu no projeto de socorro a Estados municípios um artigo que permitia a suspensão do pagamento desses empréstimos com instituições financeiras nacionais e internacionais. Nesse caso, o Tesouro Nacional teria de cobrir a inadimplência, pagando as parcelas em atraso e posteriormente cobrando a dívida dos governos locais.

O Ministério da Economia, no entanto, entendeu que o texto impede que o Tesouro Nacional faça os pagamentos. Isso levaria a uma situação de inadimplência com credores internacionais, o que desrespeitaria leis estrangeiras. Por conta disso, o presidente Jair Bolsonaro foi orientado a vetar o dispositivo. Mas o tema está longe de ser superado. Este veto deve ser avaliado nas próximas semanas e pode acabar sendo derrubado.

Mesmo com esse pano de fundo, o governo está evitando interferir nas votações que tratam de empréstimos internacionais. O receio é que o tema possa causar rusgas numa relação já desgastada entre Palácio do Planalto e o Legislativo. Em vez disso, os integrantes do governo têm trabalhado nos bastidores para “alertar” as bancadas estaduais sobre o assunto. O recado é que os prefeitos e governadores que não pagarem suas parcelas não terão direito a crédito novo.

“Se algum Estado suspende o pagamento de parcelas de empréstimo internacional, a União, como garantidora, tem que honrar essas parcelas”, explicou um interlocutor do governo.  “Quem quiser se beneficiar da suspensão de pagamentos não terá acesso a crédito novo”, complementou.

Para se ter uma ideia do impacto fiscal, o Tesouro Nacional desembolsou apenas em maio R$ 1,369 bilhão para honrar dívidas não pagas por dez Estados e dois municípios, de acordo com o Relatório de Garantias Honradas pela União. O valor honrado no mês passado foi 96,22% maior que o registrado no mesmo mês de 2019, de R$ 696,92 milhões. No acumulado de 2020, foram bancados R$ 4,247 bilhões em débitos, crescimento de 42,35% em relação ao ano passado.