Valor Econômico

Por Francisco Góes
09/10/2019

Transição do BNDES rumo a um banco de serviços deve ser demorada e pode não chegar a um amplo número de municípios, dizem especialistas.

A transição do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) rumo a uma entidade financeira com maior ênfase na prestação de serviços a governos tende a ser demorada e pode não ter um amplo alcance em termos de clientes atingidos, na visão de técnicos e de ex-executivos do banco, além de especialistas em gestão pública ouvidos pelo Valor.

O atendimento a União, Estados e municípios em projetos de privatização, concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) também não seria suficiente para remunerar a atual estrutura do BNDES, o que exige combinar essa atuação com a atividade bancária tradicional – os empréstimos – de modo a se buscar um “equilíbrio” que permita uma autonomia nessa nova fase do banco, dizem os especialistas.

A prestação de serviços para governos nas três esferas (União, Estados e municípios) foi apresentada como uma prioridade da nova administração do banco. Ao tomar posse como presidente do BNDES, em julho, Gustavo Montezano, apontou essa atividade como uma de suas metas. “Embora a tese seja válida, existe dificuldade de como implementá-la. Não se sai de um banco de crédito para um banco de serviços de hoje para amanhã”, disse ex-diretor do banco. “O rumo está certo, mas aumentar a escala dos serviços requer trabalho de médio e longo prazos.”

Dados do BNDES indicam que de janeiro a junho deste ano os setores de comércio e serviços representaram 10,2% dos desembolsos da instituição, que totalizaram R$ 25,1 bilhões no período. A área de infraestrutura teve a maior participação (45,5%), seguida por agropecuária (25,3%) e indústria (19%). Nas operações de financiamento, que são o carro-chefe do BNDES, a lógica da atual administração é não concorrer com o mercado privado de crédito. “Se for algo que o mercado privado consiga atender, não precisa o banco entrar”, disse fonte do BNDES.

Um executivo do banco projetou que neste ano os desembolsos da instituição devem ficar em R$ 50 bilhões, o que levará o BNDES a acelerar os empréstimos mais à frente. “A realidade se impõe”, avaliou. A nova administração indicou, desde o começo, que manterá a atuação na área de infraestrutura. Para Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), o BNDES pode dar uma contribuição para viabilizar investimentos em infraestrutura. E a participação do banco pode se dar não só do ponto de vista de financiamentos uma vez que investimentos no setor dependem de bons projetos e de segurança jurídica e regulatória, observou. Rocca também considerou que caberia ao BNDES desenvolver financiamentos de médio e longo prazos para empresas de menor porte.

Procurado, Montezano respondeu por escrito: “O banco, ao longo dos anos, se esqueceu de seu propósito final, que é ter menos crianças morrendo por falta de saneamento básico, é ter menos gente assaltada por falta de iluminação na rua, é ter mais gente na escola. Esse é o propósito do banco”. E acrescentou: “Além da ferramenta de crédito, estamos adicionando a ferramenta de serviço. No mundo, de 20 anos para cá, o mercado de capitais se desenvolveu muito. O próprio Brasil se desenvolveu muito com o mercado de capitais, temos taxas de juros e inflação baixas, e instrumentos financeiros que a gente antes não via. O diferencial não está no capital, está na sua capacidade de entender os mercados, na sua capacidade de entender o cliente. O banco não precisa competir com o privado, ele tem que atuar onde o privado não atua ainda e desenvolver este mercado”.

A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) vê com preocupação os rumos do BNDES. “Quando houver retomada do crescimento, o recurso do BNDES vai fazer falta”, disse Maria Cristina Zanella, gerente de competitividade da Abimaq. Ela disse que as vendas de máquinas e equipamentos são atreladas a financiamentos e que 70% das empresas do setor são pequenas e médias que não têm acesso ao mercado de capitais.

Montezano insistiu que o BNDES vai apoiar a modelagem de novos negócios como indutor do desenvolvimento. “O objetivo é facilitar o diálogo entre os setores público e privado e o sistema financeiro. Ligar as pontas onde elas não se fazem. Faremos projetos bem-sucedidos, sem desperdiçar recursos, com modelos mais rentáveis. Essas duas ferramentas juntas, crédito e serviços, são muito poderosas para o mesmo objetivo. Por exemplo, a prioridade zero é saneamento. É um gargalo relevantíssimo para o Brasil. Temos um marco regulamentário em curso agora que vai fazer toda diferença e assim não vai faltar dinheiro.”

Eduardo Stranz, consultor da Confederação Nacional de Municípios (CNM), acredita que poucos municípios conseguirão ter acesso ao BNDES. “A lógica do atual governo se volta para as grandes cidades”, disse Stranz. Segundo ele, há somente 22 cidades no Brasil com mais de 1 milhão de habitantes, enquanto 4,3 mil cidades têm até 50 mil habitantes. “A grande maioria das cidades não tem condições de fazer operações com o BNDES. A iniciativa é louvável, mas ficará restrita às grandes cidades de algumas regiões metropolitanas.”