Valor Econômico
28/08/2020

Por Letícia Fucuchima e Taís Hirata

A agência, que acaba de assumir a função de regulador federal do setor, vai contratar estudos para avaliar se a pandemia de fato teve impacto nos contratos de saneamento

As primeiras regras federais para o setor de saneamento básico deverão começar a ser discutidas no início de 2021. A ideia da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) é usar o primeiro semestre do ano que vem para fazer as consultas públicas dessas normas iniciais, afirmou a diretora-presidente do órgão, Christianne Dias, na Live do Valor realizada ontem.

Christianne avalia que três temas devem ser tratados como prioritários: a governança das agências reguladoras locais; a metodologia de cálculo da indenização de ativos (em caso de encerramento de contratos); e a adequação dos acordos vigentes para as novas regras do setor.

Essa agenda regulatória ainda passará pela aprovação da diretoria colegiada da ANA. Em outubro, deverá ser aberta uma consulta pública para definir os primeiros temas que serão regulados pela agência. O plano é seguir um cronograma de agendas semestrais, para que as regras sejam debatidas e implantadas gradualmente, disse ela.

“Não é porque houve a aprovação do novo marco que o setor vai ficar diferente da noite para o dia. As agências infranacionais precisam se preparar, não adianta a ANA soltar uma norma se as agências não tiverem condições de executar. Estamos falando de um país desigual, enorme, temos que nos atentar para as particularidades de cada região. Uma regulação robusta se constrói com o tempo. Vamos começar a fazer a diferença aos poucos”, afirmou.

Outro assunto em que a ANA poderá atuar é na avaliação dos impactos da pandemia nos contratos de saneamento. A agência está em tratativas finais para a contratação de uma consultoria que irá avaliar se de fato houve prejuízos ao setor. “Temos que fazer uma análise detalhada sobre como esses eventos extraordinários impactaram os setores. Às vezes, apressadamente, se faz uma conclusão equivocada de que [a pandemia] afetou, mas temos que provar”, disse.

A partir dessa análise, a agência poderá avaliar se há necessidade de reequilíbrios econômico financeiros de contratos. Porém, ainda é cedo para indicar se a ANA poderá, de fato, propor normas de referência para tratar do assunto. “O momento inicial é de averiguar se houve impacto ou não. A pergunta número dois é ‘se houve impacto, de que maneira podemos corrigi-los?’”, afirmou Christianne.

A atuação da ANA no setor é aguardada com expectativa pelo mercado. Desde a aprovação do novo marco legal, em 15 de julho, o órgão, que já fazia a gestão de recursos hídricos, passou a acumular o papel de regulador federal do saneamento básico. A expectativa é que a agência prepare as normas de referência, que deverão ser seguidas pelos cerca de 80 órgãos municipais, intermunicipais e estaduais espalhados pelo Brasil, e que atualmente fazem uma regulação pouco uniforme.

Christianne ressalta que o papel da ANA será dar diretrizes, e que as agências locais continuarão com o papel de regular os serviços “na ponta”. Ela também destaca que os órgãos não são obrigados a cumprir as normas federais. Porém, os entes que as seguirem terão preferência nos repasses federais, o que deverá ser um incentivo decisivo para a adesão.

Hoje, a relação com as agências reguladoras locais é uma das grandes reclamações dos operadores de saneamento. A maior queixa é em relação à pouca autonomia de muitos órgãos em relação aos governos, o que faz com que decisões importantes, como o reajustes das tarifas, sejam mais políticas do que técnicas.

Para Christianne, essa tentativa de captura das agência é comum, mas pode ser combatida com regras básicas sobre o perfil dos dirigentes e a prorrogação dos mandatos. O trabalho de governança com esses órgãos será uma das missões da ANA, no curto, médio e longo prazo, diz ela.

Além disso, a presidente ressalta que o órgão federal passará a cumprir uma função de mediador e árbitro em eventuais conflitos entre agências locais e empresas – mas apenas caso seja acionado pelas partes.

Para assumir todas essas novas funções, a ANA está passando por reformulações internas. Além da criação de duas novas superintendências dedicadas a saneamento e da vinda de 40 servidores do governo federal, a agência luta pela abertura de um concurso público para contratar mais 100 servidores. “Nossa situação é diferenciada, nenhum outro órgão está recebendo uma competência nova, tão grande. É importante que tenhamos estrutura. O que temos hoje ainda não é suficiente”, afirmou.