Folha de São Paulo
06/01/2020

Por Daniel Rittner

Para analista, inexistência de uma base aliada dificulta execução de medidas microeconômicas do governo Bolsonaro

A agenda de reformas microeconômicas e regulatórias na área de infraestrutura caminhou a passos lentos no ano passado e tem avanço incerto em 2020. Por um lado, o alinhamento de interesses entre governo e parlamentares ajuda na tramitação dos projetos, diante do consenso de que faltam recursos públicos e é preciso facilitar o ambiente de negócios para angariar mais investimentos privados. Por outro, divergências em pontos específicos dos projetos e sensibilidades políticas impedem que essas reformas sejam feitas com rapidez.

Depois de duas medidas provisórias terem perdido validade, o projeto do novo marco legal do saneamento passou na Câmara dos Deputados mediante uma delicada negociação com governadores do Nordeste, mas o texto aprovado ficou aquém das expectativas do mercado e deixou brecha para a prorrogação dos contratos de programa (firmados diretamente pelas prefeituras com companhias estaduais de água e esgoto) por 30 anos.

Também houve uma manobra inesperada: em vez de usar como referência o projeto que tinha origem no Senado, a Câmara acabou votando o texto de autoria do Poder Executivo, apesar de tudo ter convergido para um único substitutivo do relator Geninho Zuliani (DEM-SP). Pode parecer uma formalidade, mas aumenta o risco de prolongamento da tramitação. Agora, se algum ponto do projeto for alterado pelos senadores, ele terá que ser apreciado pelos deputados novamente.

A aposta do governo é alavancar investimentos de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões na universalização dos serviços de abastecimento de água potável e, principalmente, tratamento de esgoto.

Outro projeto com apelo na iniciativa privada é o PLS 261/18, que libera novas ferrovias pelo regime de autorização. Na prática, linhas ou pequenos ramais ferroviários (“short lines”) estudados e desenvolvidos por empresas não precisariam passar por processo de licitação nem ficariam como ativo da União após um período pré-determinado de exploração comercial.

É um modelo já adotado com sucesso, por exemplo, no setor portuário. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, sempre comenta que, em “road shows” organizados pelo governo, investidores americanos e chineses demonstraram grande apetite na construção das “short lines”.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, primeiro passo na tramitação, em dezembro de 2018. No ano passado, ficou mais de sete meses nas mãos do relator sem ter tido o parecer apresentado na Comissão de Infraestrutura. As sessões para votá-lo foram canceladas, começou o recesso legislativo e ficou para 2020. O texto ainda precisa ser aprovado, em caráter terminativo, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Só depois disso segue para a Câmara.

Em alguns casos, como a votação final do projeto que soluciona o passivo bilionário em torno do risco hidrológico (GSF) das usinas de geração de energia, pesa mesmo a política. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e a bancada do MDB reclamam, nos bastidores, da dificuldade de interlocução com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Em uma suposta represália, o projeto está sem andar.

Para o analista-sênior da consultoria de risco político Eurasia Silvio Cascione, o ponto a destacar é o interesse compartilhado por Executivo e Legislativo em fazer essas reformas regulatórias para atrair mais investimentos privados. Isso vem desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, iniciado em 2015, diante do reconhecimento de que o Estado estava cada vez mais limitado pela crise fiscal. “É claro que a velocidade, a profundidade, a intensidade das reformas foram mudando.”

Mesmo sem uma coalizão governista no Congresso, a aposta de Cascione é que essa agenda deve avançar neste ano. O outro lado da moeda, segundo ele, é que a inexistência de uma base aliada dificulta a execução da agenda microeconômica: os projetos ficam mais vulneráveis a obstruções, acúmulo de pautas em plenário, negociações políticas.

O analista da Eurasia vê boas chances de conclusão dos trâmites, neste ano, de pelo menos dois projetos considerados essenciais: o novo marco do saneamento (ainda no primeiro semestre) e o fim do direito de preferência da Petrobras nos leilões do pré-sal (até dezembro). Ambos, ressalta Cascione, se encaixam na tese de alinhamento de interesses. “Todo mundo tem a ganhar com eles. No caso do saneamento, prefeitos e governadores sabem que não dá para ficar como está. No petróleo, os entes federativos querem um naco dos recursos que estão por vir.”

Em outubro, a consultoria mudou de neutro para positiva a trajetória do ambiente político no país. Isso significa que as chances de aprovação de leis e da adoção de medidas favoráveis aos negócios superam claramente o risco de medidas consideradas ruins.