Valor Econômico
16/03/2021

Por Jair Ribeiro

Pressões deflacionárias associadas à estagnação secular devem predominar e impactar rentabilidade de fundos de pensão

Importante destacar que a abordagem não é sobre a inflação brasileira, uma preocupação que ressurgiu nos últimos meses, mas que podemos definir como um fator de risco específico do cenário econômico interno.

Estamos interessados no que se define como fator de risco sistemático por que atinge o cenário internacional como um todo, cuja influência é significativa no comportamento dos ativos financeiros e, contra o qual, indicam os livros de finanças, temos poucas chances de escapar.

Façamos a seguinte proposição para ir direto ao ponto: a taxa de juro dos títulos de dez anos do Tesouro dos EUA é a principal variável de decisão de investimento, seja na economia real, seja nas alocações de portfólio – o foco de atenção deste artigo.

Nos últimos anos, a taxa desses títulos em dólares vem caindo continuamente. Para termos uma ideia, há dez anos era, em média, de 3,5% ao ano, hoje é menos da metade desse valor, ao passo que já está praticamente abandonada a referência automática dos anos 1990 de 6,0% ao ano. A queda tem sido dramática e tem feito os investidores fugirem da renda fixa tradicional.

Uma das causas da trajetória declinante dos juros é de origem estrutural associada ao que se chama de estagnação secular, sobre a qual tivemos oportunidade de analisar em outros artigos aqui no Valor.

A tese da estagnação secular pressupõe uma fraqueza simultânea de crescimento, taxa de juro e inflação. Nos concentraremos na inflação porque é a variável que vem dando sinais de alerta no mercado financeiro internacional, especificamente nos EUA, o país protagonista dos eventos.

Desde a eleição do presidente Joe Biden, temos visto uma valorização espetacular nos ativos financeiros, ações, commodities e bitcoin. Entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021, o preço do petróleo subiu mais de 60%, outras matérias-primas relevantes também apresentaram valorização expressiva. Isso representa um aumento de custos e de preços que podem se transformar em inflação se os movimentos continuarem.

Adicionalmente, o pacote de estímulo fiscal proposto pelo novo governo, estimado em US$ 1,9 trilhão, surpreendeu pela grandeza e provocou o debate sobre a possibilidade de superaquecimento da maior economia do mundo, o que contagiou a curva de juros americana e elevou o risco sistemático no mercado financeiro internacional – já se falou até em volta da inflação com vingança.

Retóricas à parte, o reflexo do risco inflacionário na taxa dos títulos de dez anos do Tesouro americano tem, de fato, fundamento para provocar uma realocação de ativos nos portfólios, mas uma decisão importante como essa depende, sobretudo, do perfil do investidor.

Para os que se orientam mais pela abordagem de curto prazo, é possível que os modelos e estratégias apontem para um aumento na alocação nos referidos títulos de dez anos, principalmente devido à incrível valorização recente dos ativos financeiros mais arriscados, causando-lhes perdas, mesmo que temporárias. Para os que se orientam mais pela perspectiva de médio e longo prazo, contudo, essa visão não deve prevalecer.

Para investidores estratégicos que miram horizontes de tempo mais longos, como os fundos de pensão, as pressões deflacionárias associadas à estagnação secular devem predominar. De todas as convincentes hipóteses, a que se mostra mais robusta diz respeito aos fatores demográficos, representados pelo aumento da expectativa de vida simultaneamente à queda da taxa de natalidade.

Mais pronunciados nos países desenvolvidos, mas nitidamente visíveis também nos emergentes, os fatores demográficos possuem impacto decisivo na trajetória declinante da inflação e da taxa de juro real no mundo, apresentando-se como o principal desafio para o equilíbrio atuarial dos fundos de pensão e na formação da renda futura de aposentadoria dos seus participantes, razão pela qual a gestão dessas entidades deve necessariamente considerá-los nos seus modelos e cenários econômicos.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.