Estadão
26/06/2020

Congresso deu um passo votando o PL 4.162/2019, mas há muito trabalho a ser feito

O Congresso concluiu a votação do Projeto de Lei (PL) 4.162/2019, que dispõe sobre o novo marco legal do saneamento básico. Trata-se de um avanço especialmente importante para o desenvolvimento social e econômico do País. O setor precisa de segurança jurídica, de forma a atrair investimentos, e de uma regulação eficiente, apta a garantir e assegurar a universalização dos serviços de água e esgoto. Não pode haver tolerância com uma situação que condena parte significativa da população brasileira a viver em condições sanitárias do século 19.

Aos que não entendem como pode ter sido tão difícil aprovar um novo marco jurídico relativo a tema fundamental para a saúde da população – o assunto é debatido no Legislativo desde o governo de Michel Temer, que editou duas medidas provisórias sobre a matéria –, vale registrar a insistente oposição feita pelo PT e outros partidos. Por exemplo, no dia da votação no Senado do PL 4.162/2019, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) ainda apresentou uma questão de ordem, tentando suspender a apreciação da matéria. Ou seja, o atraso regulatório, que incide sobre a qualidade de vida das famílias e se mostra especialmente perverso em tempos de pandemia do novo coronavírus, não é fruto do acaso. Há quem tenha interesse, político ou econômico, em manter as coisas exatamente como estão.

É preciso, portanto, cuidado. O PL 4.162/2019 é muito positivo e incide em aspectos decisivos para o desenvolvimento de um novo patamar de saneamento básico no País. Porém, não existem soluções mágicas, tampouco fáceis. Há muito trabalho a ser feito, a partir do novo marco regulatório. Por exemplo, o novo marco centraliza a regulação dos serviços de saneamento na esfera federal, atribuindo à Agência Nacional de Águas (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento. Tendo o País 5.570 municípios, trata-se de uma medida elementar, mas agora cabe à ANA prover uma regulação equilibrada, que conduza ao objetivo central do novo marco – a universalização do saneamento, atraindo investimentos e acompanhando o cumprimento das metas.

Outra importante mudança do PL 4.162/2019 é a obrigatoriedade de licitação. Fundamental para a melhoria do saneamento, o tema suscitou resistência de alguns governadores e prefeitos. Tornar realidade as novas exigências legais, que incluem metas de universalização do serviço de saneamento até 2033, é um dos muitos desafios que se tem pela frente com a aprovação do novo marco regulatório.

Aspecto especialmente sensível para o novo patamar, na qualidade e extensão do saneamento básico, refere-se aos pequenos municípios, com suas carências técnico-administrativas. Ao permitir a regionalização da prestação do serviço de saneamento, com a criação de blocos de municípios, o PL 4.162/2019 possibilita a implantação de soluções economicamente viáveis.

Para a efetividade da nova legislação, é fundamental a consciência de que o saneamento básico não é assunto negociável. Trata-se de um direito humano, como definido pela ONU. Na vida civilizada, não existe respeito à dignidade humana sem rede de água e de esgoto. E, como lembrou o relator do PL 4.162/2019, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), “universalizar os serviços de água e esgoto até 2033 tem múltiplas dimensões. Saneamento tem efeito multiplicador na geração de empregos, saúde, educação e melhoria da qualidade de vida das pessoas”.

Haverá dificuldades para a efetividade do novo marco regulatório. Mas é inegável que a aprovação do PL 4.162/2019 suscita muitas oportunidades para o País, podendo ser um ponto de apoio para a retomada econômica. Por exemplo, empresas e fundos já manifestaram interesse em investir no setor, que, em razão da falta de serviços básicos e da ineficiência da estrutura atual, tem um grande potencial de negócios. Estima-se que, nos próximos anos, o saneamento terá necessidade de investimentos da ordem de R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões.

O Congresso deu um passo. Agora, é tornar a lei efetiva na vida de milhões de brasileiros cujas casas não dispõem de serviço de água e esgoto. Mais que uma oportunidade, é um dever.