Valor Econômico
13/01/2019

Por Dani Rodrik

Atitudes que levaram ao populismo se basearam nas ideias dos economistas

Em resposta a pressões de dentro e de fora, a profissão de economista está gradualmente mudando para melhor. Não por acaso, o retrocesso populista que varreu as democracias avançadas nos últimos anos produziu um profundo exame de consciência sobre essa área do conhecimento. Afinal, a austeridade, os acordos de livre-comércio, a liberalização financeira e desregulamentação trabalhista que causaram o populismo se fundamentaram nas ideias dos economistas.

Mas a transformação vai além dos pressupostos da política econômica. No âmbito da disciplina, há finalmente uma avaliação das práticas hierárquicas e da agressiva cultura seminarística que produziram um ambiente inóspito para mulheres e minorias. Pesquisa de 2019 realizada pela antiga e conceituada entidade de classe profissional American Economic Association (AEA) revelou que quase metade das economistas se sentiam discriminadas ou tratadas injustamente devido ao seu gênero. Quase um terço dos economistas não brancos se sentiam tratados injustamente devido à sua identidade racial ou étnica.

Podemos nos aferrar a estruturas institucionais que sustentam os privilégios e restringem as oportunidades. Ou podemos conceber instituições que são coerentes com a busca não apenas da riqueza compartilhada como também de um conceito ampliado de liberdade

Essas deficiências podem ser correlatas. Uma profissão menos diversificada e menos aberta a identidades diferentes é mais tendente a exibir o pensamento único (ditado pelo desejo de conformidade no grupo) e soberba. Se ela pretende gerar ideias que ajudem a sociedade a alcançar prosperidade inclusiva, terá de começar a se tornar, ela mesma, mais inclusiva.

A nova cara da disciplina ficou em evidência quando a AEA se reuniu para seus encontros anuais em San Diego no começo deste mês. Houve muitos dos habituais simpósios de especialistas sobre tópicos como política monetária, regulamentação e crescimento econômico. Mas havia um sabor inconfundivelmente diferente nos trabalhos deste ano. As sessões que se destacaram nos trabalhos e que atraíram a maior atenção foram as que empurravam a profissão para novas direções. Houve mais de doze sessões centradas em gênero e em diversidade, entre as quais a palestra de abertura que leva o nome de Richard T. Ely feita pela professora de economia Marianne Bertrand, da Universidade de Chicago.

Os encontros da AEA se realizaram contra o pano de fundo da publicação do livro notável e pungente “Deaths of Despair”, de Anne Case e Angus Deaton, apresentado durante um simpósio especial. A pesquisa de Case e Deaton mostra como um determinado conjunto de ideias econômicas que privilegiam o “livre-mercado”, juntamente com uma obsessão com indicadores relevantes como produtividade agregada e PIB, alimentou uma epidemia de suicídios, overdoses de drogas e alcoolismo no seio da classe operária dos EUA. O capitalismo não está mais mostrando resultados e a economia é, no mínimo, cúmplice nisso.

Um simpósio chamado “Economics for Inclusive Prosperity”(EfIP), organizado pela rede de mesmo nome da qual eu sou codiretor, discutiu várias novas tendências de pensamento sobre a disciplina. Uma delas é a necessidade de expandir o foco dos economistas a partir dos níveis “médios” de prosperidade para os aspectos distributivos e para as dimensões não econômicas que são na mesma medida fundamentais para bem-estar, como dignidade, autonomia, saúde e direitos políticos. A maneira pela qual os economistas falam, por exemplo, de acordos comerciais ou de desregulamentação pode mudar quando eles adotarem seriamente essas considerações adicionais. Isso exigirá novos indicadores econômicos. Uma das propostas que promove bom avanço nesse sentido é os órgãos do governo produzirem contas de renda nacional distributivas [que permitem monitorar todos os percentis da distribuição de renda de acordo com o crescimento macroeconômico nacional].

Como argumentaram Samuel Bowles e Wendy Carlin em estudo apresentado na mesma sessão, cada paradigma de política pública embute um conjunto de valores éticos – sobre no que consiste a vida que gostaríamos de viver –,ao lado de uma visão do funcionamento da economia. O neoliberalismo pressupõe indivíduos individualistas, amorais, e um livre-mercado que gera eficiência, graças à completude dos contratos e à relativa escassez de falências no mercado.

O que precisamos, de acordo com Bowles e Carlin, é de um novo paradigma que integre normas igualitárias, democráticas e de sustentabilidade a um modelo de economia que se assemelhe à sua maneira real de operar atualmente. Esse paradigma poria a comunidade frente a frente com a dicotomia Estado-mercado e incluiria políticas públicas como impostos sobre as grandes fortunas, maior acesso a seguros para reduzir exposição ao risco, direitos e voz no local de trabalho, reforma da governança corporativa e enfraquecimento significativo dos “direitos de propriedade” intelectual.

Falando na mesma sessão, Luigi Zingales acusou os economistas por impingir suas próprias preferências pelo organismo político. Isso acontece porque os economistas tendem a atribuir maior valor a determinados resultados (como a eficiência) que a outros (como distribuição de renda), e porque acabam caindo vítimas do pensamento único e fetichizando determinados modelos econômicos em detrimento de outros. Parte da solução é valorizar a diversidade e incorporar maior modéstia. Outra parte, de acordo com Zingales, é dedicar maior atenção à pesquisa realizada em outras ciências sociais, como história, sociologia e ciências políticas.

As implicações de todas essas perspectivas é a de que a economia precisa estar aberta a alternativas institucionais e à experimentação institucional. Promover esse pensamento é um dos principais objetivos da rede EfIP. A base institucional de uma economia de mercado é, em grande medida, vaga. Podemos nos aferrar a estruturas institucionais que sustentam os privilégios e restringem as oportunidades. Ou podemos conceber instituições que, nas palavras de Bowles e Carlin, são coerentes com a busca não apenas da riqueza compartilhada como também de um conceito ampliado de liberdade.

Métodos empíricos – principalmente de inferência causal – serão de ajuda, e eles se tornaram muito mais decisivos para a profissão nas décadas recentes. Isso é muito bom, na medida em que as evidências do mundo real, com toda a sua necessária desordem, desbancam a ideologia. Mas o foco nas evidências também envolve o risco de criar seus próprios pontos cegos. As evidências do que funciona e do que não funciona podem ser obtidas apenas por meio de uma experiência real. Faltam-nos, obrigatoriamente, dados sobre estruturas institucionais alternativas distantes da nossa realidade atual.

O desafio para os economistas é permanecer fiel ao seu empirismo sem expurgar a imaginação necessária para vislumbrar as instituições inclusivas e fomentadoras da liberdade do futuro. (Tradução de Rachel Warszawski).

Dani Rodrik é professor de economia política internacional da Faculdade de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard, é autor de “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy