Por Rodrigo Rocha – Valor Econômico
07/11/2018 – 05:00
Um movimento recente que atinge o saneamento mundialmente é a questão da reestatização das operações após serem concedidas para a iniciativa privada. Os casos mais famosos são de Paris e Berlim, que nos últimos anos recolocaram a gestão nas mãos dos municípios, deixando dúvidas sobre a efetividade da gestão privada no setor. Um estudo da GO Associados, entretanto, contesta a amplitude dessa tendência e aponta falhas nos processos de concessão que podem servir como referência em futuros projetos no Brasil.
O estudo da consultoria tem como base um levantamento do Transnational Institute, apontando a municipalização de 208 operações de saneamento, envolvendo 235 municípios pelo mundo, entre 2000 e 2015.
Artur Ferreira, um dos responsáveis pelo estudo da GO, obtido com exclusividade pelo Valor, destaca que, apesar de importante, o número não representa muito em relação do total de operações de saneamento concedidas para a iniciativa privada globalmente.
“Quando o BNDES lançou o PPI, debateu-se essa tendência mundial [de reestatização]. A primeira conclusão é que isso não é verdade, existem 208 casos, número menor do que o de municípios com operação privada no Brasil”, diz Ferreira, referindo-se ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que inclui, entre outras iniciativas, estudos para privatizações de empresas estaduais de saneamento.
No Brasil, cerca de 6% da operação de saneamento está nas mãos da iniciativa privada, o restante fica principalmente com as companhias estaduais. A responsabilidade da gestão do saneamento é constitucionalmente atrelada aos municípios, que, em sua maioria, transfere a operação para os estados. O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) apontava que, em 2016, 322 municípios tinham presença privada.
O levantamento da GO também destaca que parte significativa, 44%, da retomada das operações aconteceu após o encerramento do prazo de concessão, ou seja, o contrato foi integralmente cumprido. Outros 40% foram encerrados antes do prazo. Nos 16% restantes, entre as causas, estão as empresas privadas vendendo sua participação, saída da operação e remunicipalização não implementada integralmente.
Tanto em parte dos casos onde o contrato teve o prazo respeitado, exemplo de Paris, como nos retomados antecipadamente, o preço das tarifas foi uma das principais justificativas para a reestatização.
“No caso de Paris, vamos precisar de um tempo de acompanhamento, mas a ação de fato levou à redução de tarifa. No entanto, o nível de investimento nas redes está mais baixo depois da municipalização. Não tem mágica, se baixar tarifa, baixa o investimento”, diz.
O relatório da GO aponta inclusive divergências sobre o conceito de que entes privados cobram mais pelos serviços que os operadores públicos, que, teoricamente, não tem fins lucrativos. Ferreira cita dois estudos franceses que divergem sobre o tema. Em um deles, a indicação era de que os operadores privados cobravam mais porque atuavam em municípios de maior complexidade técnica.
Além das tarifas, o fracasso de algumas operações está ligado a problemas de planejamento das concessões, seja com modelos que beneficiavam possíveis aventureiros, sem poderio econômico para concretizar os investimentos, ou medidas que pensavam mais no efeito arrecadatório da transferência.
Ferreira crê que o levantamento pode apontar tendências do que o Brasil não deve fazer na concessão das operações de saneamento para a iniciativa privada. “Vamos precisar de investimento privado, não tem como fugir disso dada a situação fiscal do país. E não é por causa desses de contratos com problema que não se deve olhar para a maioria que deu certo.”