Estadão
30/01/2020

Por Anderson Constantino*

Em meio às mudanças econômicas e tributárias, Comitês de Auditoria precisam se atualizar

Seja no ambiente externo ou no interno, 2019 foi um ano bastante desafiador para organizações que atuam no Brasil. O cenário econômico trouxe uma série de mudanças comerciais e tributárias que causaram impacto direto em diferentes frentes de atuação das empresas, como a adoção de novos padrões contábeis, implementação de reformas tributárias, alterações em políticas comerciais, impactos tecnológicos no perfil de risco das companhias, para citar alguns exemplos.

Em um movimento global, observamos que as mudanças nos negócios estão cada vez mais rápidas e trazem consigo uma gama de mudanças processuais para o dia a dia das empresas que dependem da atenção e do olhar atento das áreas responsáveis pela adoção das novas normas, além da adequação de demandas, tarefas e equipes. São em momentos como esses em que os Comitês de Auditoria se mostram essenciais para a evolução dos desafios de supervisão e das expectativas dos stakeholders. Dados da mais recente edição do EY Center for Board Matters mostram que, a cada ano, esses comitês vêm dando mais atenção à escolha, contratação e desempenho de auditores externos que devem desempenhar um papel sinérgico, junto às áreas internas.

É possível fazer a relação de que, no futuro, a função de Auditoria Interna deveria ser vista como uma torre de controle de tráfego aéreo: o uso de tecnologia permitirá o monitoramento em tempo real de riscos e o report tempestivo de achados de alto risco para a organização, conferindo confiança aos processos, suporte no processo de decisão e, consequentemente, trazendo mais contribuição e valor ao negócio.

Em relação às práticas contábeis e aos aspectos regulatórios, em 2019, os Comitês de Auditoria, Administração e os auditores independentes precisarão ficar atentos à adoção da nova norma de arrendamentos – IFRS 16/CPC 06 (R2) – e seus impactos, nos balanços das companhias. Será necessário questionar quais mudanças nos processos e controles internos foram implementadas, quais ações-chave foram tomadas pela administração para implementar as mudanças trazidas pela norma, além de ter ciência de se a companhia já implementou ou está em processo de implementação de um sistema automatizado para controle dos contratos e contabilização e demais medidas administrativas.

Os aspectos tributários também foram impactados com a Instrução Normativa 1.870/19, que alterou as regras brasileiras de Preços de Transferência, sobretudo em relação aos métodos do Preço sob Cotação na Importação (PCI), Preço sob Cotação na Exportação (PECEX) e Preços Independentes Comparados (PIC).

Uma das principais medidas econômicas do ano, o Acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia também precisa ficar na pauta dos Comitês de auditoria, uma vez que trará uma série de mudanças para os negócios. Isso porque antes, apenas 24% das exportações brasileiras entravam livres de tarifas na UE. Agora, estima-se que 92% das importações do Mercosul e 95% das linhas tarifárias entrarão livres de tarifas quando importadas pela UE. Em contrapartida, o Mercosul considerará 91% das importações originárias da UE como livres de tarifas. Tudo isso colabora para que o Acordo tenha potencial de aumentar o PIB brasileiro em até R$ 500 bilhões nos próximos 15 anos, estimulando investimentos e aumentando o potencial comercial do país.

O Acordo ainda prevê uma modernização, como a troca eletrônica de dados entre aduanas e a auto certificação de origem baseada na declaração do próprio exportador. Diante disso, será necessário questionar onde estão localizados os principais fornecedores e clientes da companhia, detalhes de origem da cadeia produtiva de seus negócios e entender quais são as principais implicações financeiras na mudança da cadeia de suprimentos.

Já é possível observar uma tendência global de divulgação voluntária ou por força de regulação em torno do trabalho e das responsabilidades dos Comitês de Auditoria nos documentos anuais, à medida que as companhias respondem ao aumento contínuo do interesse dos investidores nesta área.

Os investidores continuam a ter altas expectativas quanto à gestão dos Comitês de Auditoria nas companhias, pautados especialmente na transparência dos relatórios financeiros contábeis e nas divulgações ao mercado. Com certeza podemos esperar que os Comitês de Auditoria passem a buscar mais e mais maneiras de melhorar sua efetividade e de suas operações.

Para que o resultado desse trabalho conjunto seja um sucesso, é preciso que as empresas olhem para as tendências da área e invistam na implementação ou aprimoramento de tecnologias e métodos de trabalho, como: monitoramento contínuo por meio de análise de falhas de controles automáticos/automatizados; o uso de ferramentas de Governança, Risco e Compliance (GRC); aplicação de robotização (RPA – Robotic Process Automation) em processos de auditoria interna; utilização de ferramentas de process mining, que podem detectar o não cumprimento de regras estabelecidas em processos de negócio; e a aplicação de análises de dados avançadas (advanced analytics).

O processo de auditoria precisa de acompanhamento direto e próximo, portanto, é preciso reportar os achados de auditoria de forma periodica ao Comitê de Auditoria e demais stakeholders, em tempo real e maneira que possibilite a tomada de decisão rápida junto ao corpo executivo para a resolução desses achados.

Para que fique claro que a tecnologia não é a responsável por todos os louros nem a culpada pelas falhas, é necessário reconhecer que no cenário atual há novas competências que o time de Auditoria Interna deve buscar, seja pelo desenvolvimento interno seja pela complementação com recursos externos. Além do desenvolvimento de soft skills importantes, como capacidade de resolução de problemas, criatividade, adaptabilidade e capacidade de inovação, serão requeridas outras competências técnicas do time de Auditoria Interna, além das clássicas, tais como conhecimento profundo de análise de dados; cibersegurança; e como auditar tecnologias emergentes como cloud, blockchain, RPA, VR/AR etc.

*Anderson Constantino, sócio de auditória da EY