Por Edna Simão, Fábio Pupo, Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro – Valor Econômico

04/04/2019 – 05:00

O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma defesa enfática do sistema de capitalização na reforma da Previdência, em depoimento que durou mais de seis horas na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Mas foi claro ao ressalvar que poderá recuar da proposta caso a reforma tenha um impacto fiscal inferior a R$ 1 trilhão. Este impacto, segundo Guedes, “é parte importante da transição” do sistema de repartição, que vigora atualmente, para o de contas individuais por trabalhador.

“Nós estamos procurando abrir uma porta para as gerações futuras. Se os contemporâneos não deram potencial fiscal, não se preocupem, não terei coragem de lançar um sistema de capitalização. Se os senhores preferem que seus filhos e netos sofram no futuro o que passa o Rio de Janeiro agora, podem seguir. Eu não serei irresponsável”. Guedes foi bombardeado por uma sequência de oradores majoritariamente da oposição, mas devolveu o fogo.

Ele foi irônico com as críticas da oposição ao sistema, o que provocou bate-boca esperado no Congresso. Ao se dirigir a petistas, falou: “Vocês ficaram quatro mandatos no poder, por que não botaram imposto sobre dividendos? Por que deram dinheiro para milionário? Por que deram dinheiro para a JBS? Nós estamos há três meses no governo, vocês estiveram 18 anos no poder e não tiveram coragem de mudar”, disse, em um aparente lapso. Há 18 anos, em 2001, o presidente era o tucano Fernando Henrique Cardoso.

O encontro não terminou de maneira normal. Foi encerrada depois que o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) ofendeu o ministro. Após Guedes ser chamado de “tchutchuca” pelo parlamentar, uma confusão generalizada se instalou na sala e a audiência foi encerrada. Segundo Zeca Dirceu, Guedes teria comportamento leniente com privilegiados. “O senhor é tigrão quando mexe com aposentados e ‘tchutchuca’ com privilegiados”, disse. “Tchutchuca é a mãe!”, respondeu o ministro, que levantou-se e foi embora.

Alguns parlamentares saíram em defesa do ministro, e um tumulto se instalou com alguns se levantando para se expressar.

Irritada, a assessoria de Guedes foi reclamar para o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR) – que, em meio ao alarido, decidiu encerrar os trabalhos.

A audiência já havia passado por momentos de tensão ao longo do dia, com Francischini ameaçando encerrar os trabalhos diversas vezes. Um deles foi quando Guedes afirmou que quem seria contra mudanças nas regras de aposentadoria precisaria de internação psiquiátrica. Em meio a protestos de parlamentares, Guedes refez a frase e disse que só precisaria de tratamento quem negasse qualquer tipo de reforma. “Você pode ser totalmente contra mim e não precisa ser internado”, disse.

O encontro era aguardado com muita expectativa porque na semana passada Guedes cancelou de última hora a audiência, por sentir falta de respaldo político. Para mostrar que o problema foi superado e a página virada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), participou de parte do debate, mas não chegou a presenciar os bate-bocas entre Guedes e parlamentares. Também passou pela comissão o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Durante a audiência, os deputados de oposição, que fizeram fila para sentar na frente e confrontar o ministro, se revezaram com críticas à proposta. Das 20 primeiras falas, 15 foram da oposição, três de aliados que criticaram a proposta e só duas do PSL, que apoiaram o ministro. Depois houve mais equilíbrio: dos 40 que fizeram perguntas, 18 eram da base ou independentes.

Os parlamentares mostraram preocupação principalmente com cinco pontos: as regras de transição; o benefício de prestação continuada (BPC); a aposentadoria para o trabalhador rural; a capitalização; e as regras diferenciadas para os militares com reestruturação das carreiras, que não terão idade mínima e manterão a integralidade de suas aposentadorias.

Sobre as mudanças no BPC, Guedes acenou com a possibilidade de tornar opcional a antecipação do recebimento do benefício de 65 para 60 anos, contanto que o valor caia de um salário mínimo para R$ 400 até o idoso carente completar 70 anos.

No caso da aposentadoria rural, Guedes alegou que as mudanças propostas combatem possíveis fraudes. Ele citou dados do IBGE para argumentar que há 9 milhões de benefícios pagos para estes segurados, quando o contingente de trabalhadores rurais elegíveis é de 6 milhões. Sobre as críticas à desconstitucionalização de questões previdenciárias, Guedes frisou que não estão retirados direitos, mas apenas parâmetros utilizados para concessão de benefícios previdenciários.

O ministro também rebateu críticas sobre o projeto de lei que altera as regras de aposentadoria dos militares, com a previsão de reestruturação de carreiras. “Funcionalismo público hoje ganha próximo a generais, vocês criaram isso”, afirmou. “Vocês questionam porque não cortamos previdência dos militares. Cortem vocês, não são o Congresso?”, ironizou.

A oposição insistiu que 83% da economia de R$ 1 trilhão recairá sobre o regime do INSS, “que são os mais pobres”, e que o próprio presidente Jair Bolsonaro não defenderia o projeto. “O presidente foge dessa sua proposta como o diabo foge da cruz. Ele tem vergonha porque essa proposta é cruel”, afirmou o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).

Guedes afirmou que a desconstitucionalização das regras previdenciárias tornará mais fácil para a oposição mexer nos parâmetros depois caso ganhe a eleição. “Se fica difícil fica difícil para todos, se for fácil é fácil para todos”, afirmou, para rebater o discurso da oposição de que o atual governo pretende tirar as regras da Constituição Federal para que seja mais fácil endurecê-las depois.

O ministro destacou que os Estados e municípios negociaram para que as mudanças na Previdência passem a valer automaticamente para eles porque estão com dificuldades financeiras. Dessa forma o que for válido para a União, também servirá para os Estados. Ele deu a declaração porque parlamentares estão se movimentando para que as mudanças nos governos regionais tenham que ser aprovadas por assembleias legislativas.