Valor Econômico
09/08/2021

Por Fabio Graner

Uma das intenções do projeto é alavancar as possibilidades de uso de estoques, máquinas e equipamentos e outros bens móveis para assegurar dívidas bancárias

O Ministério da Economia vai colocar em consulta pública uma proposta de ampla reformulação do sistema de garantias de crédito no Brasil. A ideia é construir uma nova legislação que unifique as regras e dê maior flexibilidade na gestão desse tipo de instrumento, fundamental para ampliar a oferta de crédito no país.

Uma das propostas que estarão no anteprojeto a ser apresentado pelo governo à sociedade muda as regras do penhor, permitindo que esse tipo de operação de financiamento possa ser feito sem que o credor fique com o bem em sua posse. Além disso, a ideia é, por meio da reformulação do Código Civil, alavancar esse tipo de instrumento, facilitando o uso de garantias de bens móveis, como estoques de uma empresa.

O advogado Fabio Rocha Pinto, um dos integrantes e relator do grupo de trabalho que elaborou nos últimos meses o texto que vai à consulta pública, disse ao Valor que o projeto tem cinco pilares: harmonização e unificação da legislação, flexibilização do mercado, valorização dos ativos que podem ser oferecidos para garantir as operações, segurança dos instrumentos e a melhora no sistema de execução dos ativos ofertados.

Com isso, explica, o país pode dar um grande salto no ranking de ambiente de negócios (“doing business”), do Banco Mundial. “Hoje são 15 diplomas diferentes que estamos unindo no Código Civil. Isso é muito importante porque a dispersão legislativa pode levar a conclusões erradas no Judiciário. É fundamental que tenha uma regra geral clara”, afirmou. “Outro fator é harmonização com regras internacionais, estamos abraçando leis-modelos [da ONU e do Banco Mundial], o que coloca o Brasil no jogo, pois permite que o país tenha os mesmos mecanismos de financiamento consagrados no exterior”, completou Rocha Pinto, que preside a comissão de crédito imobiliário do Instituto Brasileiro de Direto Imobiliário (Ibradim).

O advogado também explicou que, embora já ocorra em alguns casos específicos a possibilidade de se fazer penhora sem entrega imediata de bens ao emprestador não há uma regra geral que regulamente esse tipo de operação.

“Hoje, cada uma das leis específicas trata do regime próprio do penhor, cria uma complexidade legislativa. O código civil deixou de exprimir a realidade. O penhor é uma garantia sobre bem móvel. Há uma avaliação da ONU e do Banco Mundial de que há lacuna de crédito nos países em desenvolvimento por conta desse problema”, afirmou.

No relatório que embasa o anteprojeto, o grupo de trabalho cita pesquisa do Banco Mundial mostrando que, nos países em desenvolvimento, os bens imóveis correspondem a 73% dos bens recebidos pelas instituições financeiras, embora representem apenas 22% dos ativos das empresas.

Rocha Pinto disse que a intenção do projeto, entre outras coisas, é alavancar as possibilidades de uso de estoques, máquinas e equipamentos e outros bens móveis para assegurar as dívidas com o sistema financeiro. Com a possibilidade mais ampla de penhorar esse tipo de ativo, que deverão ser registrados eletronicamente e acessíveis em um plataforma.

“Estudos mostram que países que adotaram reformas abrangentes de garantias e que flexibilizaram regras para bens móveis, tiveram um aumento do crédito da ordem de 30% do PIB”, disse. “Isso significaria praticamente 50% de aumento no crédito privado disponível, um aumento, segundo estimativas do governo, da ordem de R$ 600 bilhões de crédito privado e que vai beneficiar mais as micro e pequenas empresas”, disse, explicando que, na prática, muitas coisas hoje não penhoráveis passariam a ser, ampliando o acesso ao crédito de empresas menores.

Segundo Rocha Pinto, a proposta visa melhorar a regulação para uso da mesma garantia para mais de uma dívida. Também vai permitir que os credores de uma dívida possam indicar qualquer pessoa para receber uma garantia em nome deles, ampliando possibilidade que já ocorre no mercado de debêntures. “Isso pode ser útil para alavancar o crédito sindicalizado”, disse.

Outra novidade que a proposta que vai a consulta deve trazer é a possibilidade de se “permitir, de forma genérica, a constituição de garantias sobre universalidades (como estoques, créditos revolventes ou categorias inteiras de bens móveis), sem a necessidade de sucessivos aditamentos do instrumento de garantia”. Ou seja, o tomador de crédito poderá oferecer genericamente todo seu estoque ou todo seu maquinário ou ainda todos seus recebíveis como garantia, sem precisar ficar atualizando no contrato cada item. Dessa forma, devem ser reduzidos custos de burocracia e jurídicos.