Por Adriana Cotias e Nathália Larghi – Valor Econômico

14/01/2019 – 05:00

Enquanto o governo busca dar forma a um modelo de reforma da Previdência para encaminhar ao Congresso, especialistas e instituições que atuam com planos complementares (os chamados PGBL e VGBL) tentam vislumbrar que papel podem ter se vingar a proposta de capitalização. Nesse desenho, os trabalhadores passariam a ter contas individuais, similares às do Tesouro Direto ou do FGTS, para construir suas reservas para quando “pendurarem as chuteiras”.

Se o governo abrir a gestão para a iniciativa privada será altamente positivo para as instituições, entre seguradoras, entidades abertas de previdência complementar e gestoras de recursos, afirma o professor de finanças e especialista em previdência social do Coppead/UFRJ Carlos Heitor Campani. Caso contrário, o novo modelo competiria com os atuais planos VGBL e PGBL.

“Eu acredito num sistema que seja mandatório até certo ponto. Não seria totalmente flexível para não cair no que a gente tem hoje, no PGBL e VGBL, que você sempre adia, e caminharia para forçar a poupança social. O grande ponto é que, ao fazer isso, há vários desdobramentos positivos para o país e para o brasileiro, que poupa pouco. Em sendo mandatório, quais serão as instituições financeiras que vão gerir?”, questiona.

Uma das ideias que vêm sendo defendidas no núcleo do governo é um sistema de contas individuais parecido com o do Tesouro Direto, em vez de fundos de previdência. Nelas o investidor teria acesso a títulos públicos e outros ativos e contaria com os mesmos benefícios tributários dos planos abertos. Mas daí fica a dúvida de quem faria a melhor distribuição das aplicações, de modo a preservar o patrimônio num horizonte de longuíssimo prazo.

Pelo perfil liberal do ministro Paulo Guedes (Economia), Campani acha difícil a iniciativa privada ficar fora desse jogo.

“Seria um tiro no pé se colocar a política de capitalização gerida pelo poder público. Ao incluir mais um ‘player’ na cadeia, mais um elo na corrente, fica mais difícil quebrar.”

O especialista lembra que no setor público já há exemplos do sistema de capitalização, caso do plano da Funpresp, do qual é participante, e que tem gestão de terceiros. Os fundos que agregam os recursos dos servidores federais estão divididos entre Banco do Brasil, Caixa, Santander e Western Asset Management.

Não há ainda conversas da iniciativa privada com o governo, mas a expectativa é que caiba às seguradoras viabilizar o modelo de capitalização de longo prazo, diz Edson Franco, presidente da Federação Nacional da Previdência Privada (Fenaprevi). Se alguma das propostas sugeridas for adiante, a percepção do executivo é que a gestão dos recursos de capitalização seria feita num modelo de livre concorrência por entidades fechadas, abertas, seguradoras vinculadas a bancos ou independentes. “Quem elegeria a instituição seria o indivíduo”, diz, fazendo a ressalva de que não há, por ora, clareza sobre o projeto em construção.

Em meio às discussões entre Planalto e Ministério da Economia, há pelo menos duas propostas colocadas na mesa prevendo o modelo de capitalização: a do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, com o economista Paulo Tafner; e outra do professor Hélio Zylberstajn, da Fipe, apoiada pela Fenaprevi e pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).

Nesta última, o regime de repartição em vigor hoje seria mantido, cobrindo 75% da população com renda média de até R$ 2,2 mil. Para quem ganhasse acima desse valor, haveria o incentivo para a constituição de uma conta individual em regime de capitalização usando os recursos já existentes no FGTS, com percentual obrigatório de 30%.

Como ainda não há um projeto pronto é prematuro, porém, fazer projeções do potencial desse mercado, diz Franco.

“Estamos falando de uma constituição de valores capitalizados com recursos do FGTS dos novos entrantes do mercado de trabalho. Quem está no INSS, continuaria no INSS” afirma.

Ele cita que provavelmente esses recursos seriam administrados em um plano criado especificamente para essa finalidade, não nos VGBL e PGBL atuais.

A experiência chilena é a que parece estar na cabeça de Guedes, com alguma adaptação para a realidade brasileira, daí a sugestão de um modelo híbrido – repartição para a base da pirâmide e capitalização a partir de uma certa renda. Vale lembrar que também lá o sistema enfrenta problemas, gerando poupança insuficiente, com o pagamento do benefício equivalente a 38% dos salários da ativa. Baixos retornos e taxas de administração elevadas explicam os resultados.

“Onde se viu a migração [da previdência pública] para o sistema de capitalização, como no Chile, houve forte incremento da previdência privada e do papel dos gestores, dando respostas para os fundos públicos”, diz Patrick O’ Grady, executivochefe da gestora de recursos digital Vitreo. “O setor privado é parte da solução para qualquer reforma que venha.”

É cedo para saber como as seguradoras poderão atuar se o Brasil evoluir para um regime parecido com o chileno, diz André Serebrinic, diretor de Vida, Previdência e Saúde da Mapfre. Naquele país, a contribuição é obrigatória, mas o trabalhador pode escolher onde constrói a reserva para a aposentadoria. “Teria de ter uma seguradora para gerir isso. Você precisa ter o passivo, então teria de ter uma seguradora fazendo esses pagamentos e administrando, aplicando esses recursos.”

Seja qual for o desenho final da reforma, toda essa discussão já cumpre a função de despertar o brasileiro para a importância de se planejar para a aposentadoria, diz O’Grady, da Vitreo. “Serve de alerta que a população está envelhecendo e não se preparou para isso. Ou trabalha mais tempo, ou vai ter que poupar mais.” Por ser uma gestora digital, as consultas feitas no seu site são um preditor de demanda. Em dois meses oferecendo um fundo de fundos de previdência, que reúne vários gestores, a casa captou mais de R$ 520 milhões.

Serebrinic, da Mapfre, também chama a atenção para o aspecto educacional. “Quando as pessoas entenderem o que é previdência, o regime de capitalização, ficará mais claro que se não se prepararem desde cedo elas não terão [os recursos] lá na frente”, diz. “Se perceberem que aposentadoria mesmo capitalizada não vai atingir o valor que esperado, terão que complementar.”

Campani, do Coppead, acrescenta que os recursos acumulados sob regime de capitalização teriam outros efeitos positivos para a economia. Como esse é um dinheiro de longo prazo, o aumento da taxa de poupança reduziria a dependência de investimentos externos e também permitiria que o país convivesse com taxas de juros estruturalmente menores.