Folha de São Paulo
25/03/2020

Por Daniel Carvalho

Recursos estão parados em fundos municipais, estaduais e distritais; texto foi alterado e retorna à Câmara

O Senado aprovou nesta quarta-feira (25), por 78 a 0, em sessão remota, projeto de lei que permite a transferência de saldos financeiros de fundos de municípios, estados e Distrito Federal, oriundos de repasses federais carimbados, para que possam ser utilizados para fins distintos.

Na prática, o projeto prevê a liberação de cerca de R$ 6 bilhões não utilizados para que governos e prefeituras invistam em ações de combate à pandemia de coronavírus, que já matou 57 pessoas no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados nesta quarta.

Pelo projeto, prefeitos e governadores podem usar os saldos de recursos transferidos pela União que estavam parados em caixa porque tinham destinação exclusiva. Para a autora da proposta, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), a limitação no uso dos recursos desconsidera diversidades locais e engessa a atuação de governos e prefeituras.

Para não correr o risco de que o texto seja considerado inconstitucional, o relator da matéria no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), teve que alterá-lo para que fosse estabelecido que a possibilidade de transferência só se aplica durante o período em que vigorar o reconhecimento do estado de calamidade pública.

Por causa da alteração, o texto terá que retornar à Câmara antes de seguir para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Antes deste projeto, os senadores aprovaram simbolicamente autorização para a contratação de crédito externo pelo estado de Alagoas com a Corporação Andina de Fomento, no valor de US$ 136,2 milhões (cerca de R$ 680 milhões) para obras de saneamento e infraestrutura rodoviária.

Apesar de a matéria ter sido incluída na pauta desta quarta após concordância dos líderes partidários, alguns senadores argumentaram que as sessões remotas da Casa serviam para a apreciação de projetos relacionados à Covid-19.

“Acredito que, quando a gente começa a abrir exceção, isso é perigoso”, disse o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

O vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), —que tem comandado as sessões porque o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está isolado, infectado pelo coronavírus— justificou a inclusão da autorização de empréstimo na pauta por entender que havia relação com a crise decorrente da pandemia.

“Todo recurso que agora vai para o estado a qualquer título colaborará com o estado para a necessidade que ele vai ter, de equipar seus hospitais, para lutar contra os efeitos da pandemia. Então, é evidente que há um nexo”, disse Anastasia.

O relator do texto, senador Eduardo Braga (MDB-AM), argumentou que o governo assumiu compromisso com governadores ao anunciar liberação de R$ 88,3 bilhões de socorro aos estados.

“Por acaso, o do estado de Alagoas estava pronto e foi encaminhado para o Senado da República, sendo o único que está neste momento no Senado para ser votado”, afirmou Braga.

Mais cedo, os líderes partidários do Senado reuniram-se para discutir procedimentos para as próximas votações remotas, adotadas desde sexta-feira (20) para evitar a aglomeração de parlamentares em plenário.

Ficou decidido no encontro que os líderes colheriam em suas bancadas projetos relacionados às crises sanitária e econômica para serem pautados nas próximas sessões.

Nesta quinta-feira (26), pode ser votado um projeto que antecipa de julho para abril o pagamento de 1% do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), o que representa R$ 4,8 bilhões.

Na reunião, parlamentares também criticaram as manifestações do presidente Jair Bolsonaro tanto em cadeia de rádio e TV na noite de terça (24) como na manhã desta quarta, ao deixar o Palácio da Alvorada.

De acordo com participantes do encontro, diversos líderes fizeram críticas e os representantes do governo apenas elencaram anúncios feitos pelo Executivo.

Ao longo do dia, parlamentares continuaram fazendo críticas à fala de Bolsonaro, que se disse contrário ao isolamento social.

“Qualquer proposta neste momento, no sentido de que não haja o isolamento das pessoas, é absolutamente irresponsável. Qualquer coisa neste sentido, mesmo que venha do presidente da República, não deve ser levada a sério “, disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).