24/04/2019 – 05:00
Por Daniel Rittner e Fabio Graner – Valor

A equipe econômica estima que a privatização das companhias estatais de água e esgoto, estimulada pelo novo modelo legal do saneamento básico, pode gerar receitas de R$ 130 bilhões a R$ 170 bilhões para o caixa dos Estados. Os números têm origem em estudos feitos por consultorias privadas, mas o Ministério da Economia acredita que esse valor ficará perto do topo das projeções.

O ministro Paulo Guedes e seus auxiliares querem impulsionar o processo de privatização das empresas de saneamento não só com o avanço da MP 868, medida provisória que muda o marco regulatório do setor, mas como contrapartida ao resgate federal para Estados mais endividados. A venda da estatal Copasa, por exemplo, é esperada como parte do socorro da União para Minas Gerais e já teria aval do governador Romeu Zema (Novo).

O caminho é semelhante ao já trilhado nas negociações de socorro ao Rio de Janeiro, no qual a Cedae foi dada em garantia a um empréstimo no âmbito desse acordo. Essa operação tem sido contestada pelo governo estadual, embora a equipe econômica tenha convicção que a privatização da empresa para pagar o empréstimo será efetivada.

Guedes se reuniu nesta semana com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da MP 868, que apresenta hoje seu parecer na comissão mista responsável pela análise da proposta. Sua equipe ainda defende ajustes no texto original da medida provisória.

Publicada nos últimos dias do governo Michel Temer, a MP 868 favorece a participação da iniciativa privada no
saneamento. O principal ponto é a exigência de que novos contratos para o abastecimento de água ou coleta e tratamento de esgoto tenham chamamentos públicos feitos pelos municípios (titulares do serviço).

Antes, as companhias estaduais ou municipais tinham direito de preferência. Grupos privados só entravam onde as estatais abriam mão desse direito. O receio era de um efeito colateral da MP: apenas municípios rentáveis (grandes cidades) atrairiam investidores, deixando o “osso” para as estatais, que correriam o risco de se tornar insustentáveis.

Para minimizar esse problema, o Ministério do Desenvolvimento Regional já havia apresentado mudanças importantes na semana passada, que devem ser acatadas por Tasso. A maior delas era a criação de “microrregiões”, com blocos de municípios, juntando em um mesmo pacote localidades maiores (superavitárias) e menores (deficitárias) para oferta ao setor privado. Passaria aos governadores, então, definir a composição das microrregiões: por proximidade geográfica, pertencimento à mesma bacia hidrográfica ou por viabilidade econômica.

A equipe econômica apontou, nas últimas horas, um dilema: e se os governos estaduais, para brecar a perda de
participação de suas estatais, resolverem sentar em cima da definição de microrregiões? Sugestão do Ministério da
Economia: estipular um prazo para isso; se não houver definição no tempo fixado, a Agência Nacional de Águas (ANA) ganharia poderes para fazer esse desenho.

Auxiliares de Guedes calculam que haja espaço para até 400 blocos de municípios – de 15 a 20 por Estado – em todo o país. Tasso, segundo fontes, ainda estaria reticente ao estabelecimento de prazo. O senador tucano acredita que a União teria outras formas de acelerar uma decisão dos governadores, condicionando, por exemplo, o repasse de recursos federais para as próprias obras de saneamento tocadas pelas futuras concessionárias.

Outro ponto complexo da discussão é relativo à sucessão dos contratos atualmente em vigor. Uma das ideias da equipe econômica é que a concessionária vencedora da licitação no âmbito da microrregião pague indenizações para as empresas que estão em cada município desse conjunto, substituindo seu contrato. Isso mitigaria o problema do descasamento de prazos entre os contratos municipais dentro de uma mesma microrregião.

O governo entende que o caminho da privatização do setor de saneamento é a melhor saída para superar a enorme falha de cobertura de água e esgoto tratados no Brasil. No Brasil, metade das residências não tem rede de esgoto, o que gera “um Vietnã de crianças mortas por ano”.

A visão da equipe econômica é que o atual modelo estatal acaba servindo muito mais a interesses políticos, de
apadrinhamento de aliados em cargos bem remunerados, em vez de privilegiar a universalização e a qualidade dos
serviços.

O desfecho da MP do Saneamento, que expira em 3 de junho, é crucial para o futuro da Sabesp, a estatal paulista da área. O governo João Doria (PSDB) tem flertado com a ideia de se desfazer da estatal, ainda que atrele essa decisão à configuração final da legislação que está sendo discutida no Congresso Nacional.