Valor Econômico
17/04/2020

Por Taís Hirata

Desde o início da pandemia, as empresas públicas e privadas do setor se uniram para pleitear medidas de apoio da União

Passado um mês da crise provocada pelo coronavírus, as operadoras de saneamento básico públicas e privadas já registram uma inadimplência de quase um quarto de seus consumidores.

No caso das estatais, que respondem pela maior parte da prestação do serviço no país, a taxa média era de 23,91% até a semana passada, com variação entre 12,93% e 31,7%, a depender da região, segundo a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).

No caso das empresas privadas, que representam 6% do mercado, o índice é de 25%. A projeção é que a arrecadação desses grupos tenha uma queda de 48% no segundo trimestre deste ano, e que o impacto se prolongue ao menos até o primeiro trimestre de 2021, segundo um levantamento obtido pelo Valor.

Desde o início da pandemia, as empresas públicas e privadas do setor se uniram para pleitear medidas de apoio da União. Após dois anos em disputa por conta do marco legal do saneamento, que segue travado no Congresso, as companhias concordam que a lei não é mais prioridade.

O clima hoje é de insatisfação. As entidades reclamam que os bancos públicos têm sido lentos em dar apoio, e que a prioridade federal foi dada a setores como varejo e indústria automotiva, em detrimento ao de água e esgoto.

Os principais pedidos das associações são direcionados à Caixa e ao BNDES. Ao primeiro, que é o principal banco financiador de saneamento do país, as empresas pedem uma suspensão temporária do pagamento de dívidas e juros. Ao banco de fomento, o pleito é a criação de uma linha de crédito para capital de giro. Além disso, as companhias pedem a postergação do pagamento de impostos, como PIS e Cofins.

O argumento é que, assim como outras concessionárias de serviços essenciais, as companhias não têm a opção de reduzir ou interromper a atividade.

“As empresas pararam de cortar água [dos inadimplentes], e as atividades cresceram. O consumo de água subiu, porque as pessoas ficam mais em casa”, afirma Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), que representa grupos como BRK Ambiental, Aegea, Iguá Saneamento e Águas do Brasil.

No caso das estatais, muitos investimentos têm sido suspensos, e o pagamento a fornecedores, renegociado, diz Marcus Vinícius Neves, presidente da Aesbe. “Os Estados também vivem uma situação complicada. Temos feito seleção dos pagamentos.”

No caso das privadas, que são regidas por contratos de concessão com obrigações de investimento, há uma preocupação adicional, afirma Carlos Henrique Lima, presidente do conselho de administração da Águas do Brasil. “Temos metas rígidas que têm que ser obedecidas. Não tivemos nem tempo de iniciar uma renegociação com cada governo.”

Há ainda casos como o da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que tenta preservar um pacote de R$ 300 milhões de investimentos para mitigar efeitos de uma forte estiagem prevista no Estado, que em última instância pode levar a um racionamento. “Não temos os recursos garantidos. O cenário de captação está prejudicado, mas espero que não inviabilize as obras necessárias. A orientação é seguir com o plano”, afirma o presidente, Roberto Barbuti.

Segundo uma pessoa próxima ao BNDES, que preferiu não se identificar, o banco acompanha de perto a situação das empresas, mas a avaliação é que o setor está em situação mais robusta que outros. A priorização foi feita com base em uma análise ampla do nível de impacto pela crise, geração de renda e emprego de cada segmento. A fonte destaca ainda que o setor de água e esgoto será contemplado em um segundo bloco de ação, e ressalta que há uma série de incertezas orçamentárias e limitações de pessoal que restringem a velocidade na tomada de medidas na atual situação.

Procurada, a Caixa não se manifestou até o momento.