Por Por Daniel Rittner – O Valor Econômico
16/04/2019 – 05:00

O plano de privatização da Sabesp pode ganhar tração com as propostas de mudanças que o governo Jair Bolsonaro apresentará hoje, ao Congresso Nacional, na medida provisória de reforma do saneamento básico.

A principal sugestão de ajuste no texto original da MP 868, publicada em dezembro pelo ex-presidente Michel Temer, busca tornar mais equilibrada a concorrência entre empresas privadas e companhias públicas (geralmente estaduais) de água e esgoto.

Em sua versão inicial, a MP exigia que todas as prefeituras abrissem chamadas públicas para contratar novos serviços. Essa obrigatoriedade levaria, segundo os críticos, a uma situação problemática: o setor privado se interessaria apenas pelos municípios mais rentáveis e deixaria as localidades deficitárias nas mãos das companhias públicas.

Por isso, algumas entidades do setor vinham defendendo um mecanismo pelo qual estatais não dependentes dos tesouros estaduais continuariam podendo ser contratadas diretamente, mantendo direito de preferência e sem abertura de chamada pública. Além da Sabesp, são os casos de Sanepar (PR) e da Compesa (PE).

Essa hipótese até chegou a ser discutida pelo governo em mais de 30 reuniões com associações setoriais, segundo o secretário nacional de Saneamento Ambiental, Jônathas de Castro. No entanto, foi descartada e chegou-se a um caminho que tenta dar incentivos ao mercado trabalhando com a escala na prestação dos serviços.

Os municípios detêm a titularidade do saneamento, mas o governo encontrou uma brecha para transferir aos Estados a responsabilidade por definir “microrregiões”. Poderão ser usados critérios como pertencimento à mesma bacia hidrográfica, vizinhança geográfica ou até mesmo uma mistura entre localidades superavitárias e deficitárias.

Com isso, a ideia é que cada governador crie “blocos de municípios”. “Vamos privilegiar o incentivo regional. A titularidade na prestação dos serviços passaria para os conselhos deliberativos dos blocos, que fariam a gestão das microrregiões e teriam que abrir chamamento público. Caberia aos governadores somente definir como esses blocos serão organizados”, disse Castro ao Valor.

O secretário evitou comentar situações específicas, como é o caso da Sabesp, mas a mudança não deve gerar obstáculos aos planos de privatização da estatal paulista. O governo de São Paulo só abriria mão de privatizá-la, conforme tem dito o secretário Henrique Meirelles (Fazenda e Planejamento), caso fosse mantido o direito de preferência às companhias públicas. Nesse caso, valeria mais pena capitalizá-la e preservar o controle estatal.

O conjunto de ajustes será apresentado pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, na comissão mista responsável pela análise da proposta no Congresso. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que relata a medida provisória, deve entregar seu parecer na próxima semana. A MP expira em junho.

Outro ponto importante de mudança visa apertar o cerco às companhias públicas que prestam serviços ruins. Cerca de 4 mil municípios, segundo Castro, são atendidos por empresas estaduais. “Muitos prefeitos reclamam que não são atendidos e também não têm portas de saída para seus contratos”, observa.

O governo quer um artigo na MP que estabeleça a necessidade de revisão de todos os contratos em até 24 meses. A intenção é incorporar cláusulas com metas e indicadores – hoje frequentemente inexistentes. Esses contratos ajustados terão que refletir metas definidas nos planos de saneamento municipais. Quando não houver planos municipais, a referência passa a ser o planejamento estadual. Finalmente, se o Estado não dispuser de nada, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) vira parâmetro.

De acordo com o secretário, isso busca corrigir uma distorção grave. As metas estabelecidas nos contratos com operadoras privadas de água e esgoto normalmente não existem quando os serviços são prestados pelas empresas estaduais. No Brasil, 60,2% da população tem coleta de esgoto e apenas 48% têm tratamento.