Valor Econômico
19/05/2020

Por Renan Truffi

O assunto pode voltar à pauta, dependendo da pressão das bancadas

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu adiar até a semana que vem, pelo menos, as discussões sobre o projeto que estabelece um teto para as taxas de juros cobradas em operações com cartões de crédito e cheque especial. O tema tem gerado divergências entre os senadores após articulações do setor financeiro, o que levou Alcolumbre a marcar uma nova reunião para a sexta-feira, quando o destino do projeto será definido. O assunto pode voltar à pauta, dependendo da pressão das bancadas.

A possibilidade de colocar em votação o projeto, de autoria do senador Alvaro Dias (PodemosPR), dividiu os parlamentares ontem, durante a reunião de líderes do Senado. Representantes de partidos como PSDB e DEM se posicionaram pelo adiamento da discussão. Os tucanos foram os mais enfáticos. São contra a tabelamento de juros. Por outro lado, Alcolumbre ouviu apelos de partidos como PSL, MDB e Podemos, sigla que apresentou a proposta, para que o assunto seja discutido em plenário.

Diante da divergência, o presidente do Senado explicou que foi procurado por “vários” senadores que estão preocupados com o assunto e propôs uma nova reunião na sexta-feira, quando está marcada uma discussão entre os líderes. A solução não agradou alguns dos parlamentares, que veem na postura do presidente do Senado uma tentativa de ganhar tempo e, possivelmente, enterrar a discussão.

Desde a semana passada, representantes do setor financeiro têm procurado convencer os senadores de que aprovar um teto para os juros do cartão de crédito e do cheque especial pode representar uma sinalização muito negativa para a economia brasileira.

O argumento principal, utilizado nas conversas com os parlamentares, é lembrar a experiência do Plano Cruzado, que também usava o congelamento para tentar domar a inflação. Eles alertaram que a criação de um teto para juros pode provocar escassez de crédito justamente em um momento que há aumento da oferta de crédito para a economia.

O trabalho de persuasão dos parlamentares tem sido feito, principalmente, pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Em meio às negociações, o setor financeiro teria sinalizado que pode fazer algumas mudanças espontâneas nos juros do mercado de crédito, como forma de diminuir a temperatura no Congresso. Uma das possibilidades seria justamente a redução nas taxas do cartão de crédito ou ainda renegociação de dívidas com cheque especial com juros menores.

Questionada pelo Valor, a Febraban explicou que, “de forma institucional e respeitosa”, fez ponderações aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), apontando a “disposição de seus bancos associados, cada qual seguindo suas condições, políticas de preços e de negócios, em ampliar medidas de alívio financeiro, o que vem sendo feito independentemente da tramitação de matérias legislativas”.

A proposta do Senado estabelece o teto de 30% ao ano para os juros cobrados no cartão de crédito e no cheque especial, além de 35% para as fintechs. Originalmente, o texto limitava esse percentual em 20% ao ano, mas o relator da medida, senador Lasier Martins (PodemosRS), decidiu elevar o valor para 30%, no intuito de diminuir a resistência de algumas bancadas.

Na primeira versão do texto, Alvaro Dias também havia fixado um período específico para a vigência do teto extraordinário, entre março de 2020, momento em que a pandemia do novo coronavírus começou a avançar no país, e julho de 2021. Lasier, por sua vez, decidiu restringir as mudanças à duração do período de calamidade pública, decretada pelo presidente Jair Bolsonaro com vigência até 31 de dezembro deste ano.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Valor, o tabelamento de taxas de juros e o congelamento dos limites de crédito dos clientes pode fragilizar o sistema financeiro e reduzir a oferta de crédito num momento de crise. “Essas coisas voluntariosas sempre saem pela culatra”, afirmou na semana passada o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga. “A última coisa que se quer agora é fazer o crédito secar e fragilizar o sistema.”

Para Ana Carla Abrão, sócia e chefe do escritório brasileiro da Oliver Wyman, o projeto traz uma combinação que pode gerar um problema sistêmico e agravar a crise atual, levando à disfuncionalidade do crédito e agravando a recessão. Jairo Saddi, advogado especialista do setor e professor da FGV, também vê risco de escassez de crédito. “Acaba com a oferta”, resumiu.