Valor Econômico
11/02/2021

Atraso em decreto federal prejudica adaptação das empresas ao novo marco, avaliam estatais

Sete meses se passaram desde a publicação do marco legal do saneamento básico, mas o setor ainda aguarda uma série de definições e decretos necessários para que as novas regras sejam de fato aplicadas. Com isso, já começam a surgir questionamentos, principalmente por parte das companhias públicas, sobre a viabilidade de alguns dos prazos fixados pela lei serem cumpridos.

Há duas grandes pendências a serem resolvidas. A primeira é se as estatais poderão ou não renovar seus contratos de programa (firmados sem licitação) por mais 30 anos. O projeto de lei aprovado no Congresso permitia a prorrogação, mas o artigo foi vetado pelo presidente no momento da sanção da lei. Parlamentares ameaçaram derrubar o veto, mas o tema ainda não foi apreciado – a expectativa é, com a conclusão das eleições no Congresso, o assunto seja enfim votado.

Contratos devem estar adaptados à nova lei até março de 2022, prazo considerado curto pelas empresas estaduais

Outra incerteza que tem causado apreensão no mercado é quais serão os critérios usados para medir a capacidade econômico-financeira dos operadores – ou seja, qual será a “régua de sobrevivência” das estatais.

Pela lei, as empresas poderão perder seus contratos caso não consigam provar que têm meios para fazer os investimentos necessários à universalização. Essas normas virão em um decreto, que deveria ter saído em até 90 dias após a sanção – ou seja, até outubro de 2020. No entanto, o texto não saiu até agora.

Questionado sobre o tema, o Ministério de Desenvolvimento Regional afirmou que “aguarda a apreciação dos vetos pelo Congresso para publicar o decreto de regulamentação”

As empresas estaduais do setor avaliam que a demora na publicação das regras encurtou ainda mais o período de transição das empresas ao novo modelo e afirmam que a demora na apreciação dos vetos não justifica o atraso na publicação do decreto.

“Com ou sem os vetos, as regras precisam sair, uma coisa não depende da outra. Ou vão esperar para, se o veto cair [e as estatais puderem renovar seus contratos], as regras de comprovação serem mais rígidas? Isso não seria razoável”, afirma Marcus Vinícius Neves, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa).

O prazo máximo para que todos os contratos estejam adaptados ao novo marco legal – com metas de universalização de 99% para o atendimento de água e de 90% para coleta e tratamento de esgotos – é março de 2022.

Na avaliação do presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Carlos Eduardo Castro, o atraso na regulamentação prejudica o processo. “A falta de uma definição dos decretos causa apreensão porque, em função do que for definido como critério de capacidade econômico-financeira, as estratégias da empresa terão que ser revistas”, afirma.

No caso da Copasa, já existe uma equipe dedicada à regularização de cada um dos contratos. Porém, as negociações ainda dependem dessas definições sobre a lei, diz o executivo.

Na avaliação de analistas, o processo tende a ser ainda mais complexo em empresas estaduais menos estruturadas e que têm dificuldade de acesso a crédito.

Será difícil para as companhias atender os prazos, e acho que o governo contribuiu para dificultar o cumprimento. Mas uma eventual extensão [das datas] não será simples, porque estão estabelecidas na lei”, afirma Fernando Vernalha, sócio do Vernalha Pereira Advogados, que tem assessorado companhias públicas no processo. Ele afirma que a análise de crédito das companhias públicas costuma demorar e pode atrasar o processo de comprovação econômico financeira.

Já para as empresas privadas do setor, a percepção é que os prazos são viáveis, e que as companhias podem começar a se estruturar antes mesmo que ter as regras em mãos, avalia Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon). Para um executivo do setor, as reclamações são uma estratégia para protelar as mudanças.

Analistas também chamam a atenção para outro prazo fixado pela lei: os Estados têm até 15 de julho para fazer a divisão dos blocos regionais, que deverão ter operações de água e esgoto compartilhadas. Caso a data-limite não seja cumprida, a União assumirá a tarefa da regionalização.

O prazo também é considerado desafiador. “A percepção é que os estudos necessários para a formação dos blocos não estão sendo executados. Há uma preocupação, porque são análises relativamente complexas. Além disso, os blocos ainda terão que ser aprovados pelo Legislativo de cada Estado. Então cinco meses [até julho] não é muito tempo para esse processo”, diz Elias de Souza, sócio da consultoria Deloitte.

Caso o prazo vença, e a União tenha que assumir a divisão dos blocos regionais, a demora poderá ser ainda maior, já que as equipes do governo precisarão de alguns meses adicionais para fazer o trabalho, afirma.

Para Neves, que representa as companhias estaduais, é a demora na publicação dos decretos que dificulta a formação dos blocos. “Como vamos fazer a regionalização sem saber se a operação será viável para as empresas?”, diz. Ele afirma também que as estatais irão “agir para que a União não interfira” na divisão.