Valor Econômico
02/10/2020

Por Ítalo Mitre Alves de Lima

Essas ferramentas permitem um melhor aproveitamento das competências do poder público e do parceiro privado

É muito comum se ouvir como alternativa para o enfrentamento de uma situação de crise fiscal a aplicação das ferramentas previstas nas Leis nº 8.987, de 1995, e nº 11.079, de 2004. O poder público enxerga, por vezes, os modelos de concessões e parcerias público-privadas (PPP), previstos respectivamente nas normas citadas, como um meio para sanar sua indisponibilidade de caixa, transferindo o ônus do investimento para os parceiros privados. A despeito de ser uma possibilidade, essa é uma característica acessória do formato em questão.

Vale pontuar que interação entre o poder público e o setor privado é cotidiana. Em um hospital público, por exemplo, há um feixe de relações contratuais com particulares: de fornecimento (como drogas, gases hospitalares e material cirúrgico); de prestação de serviços especializados (por exemplo, vigilância, médico, tecnologia da informação); e serviços comuns (limpeza e manutenção, exemplificativamente).

Essas ferramentas permitem um melhor aproveitamento das competências do poder público e do parceiro privado

Temos, então, um cenário de interação tão intensa que podemos identificar o Estado como um grande gestor de contratos, que se vale destes para entregar seus objetivos para atender ao interesse social.

Estando diante de uma variedade de possibilidades de interações para atingir seu objetivo, o caminho natural é analisar as opções disponíveis e definir a mais adequada ao intento pretendido, ou seja, perseguir a estratégia que gere ao ente público a maior eficiência e a melhor relação de valor sobre o custo (value for money).

Nesse plexo de variações, que pendulam ora para a execução pública direta ora para a execução exclusivamente privada, existem, contudo, alternativas intermediárias, tais como fornecimento, terceirização, parcerias e concessões, que servem à administração para que esta mantenha suas políticas públicas em andamento, segundo seus ditames e fiscalização, aproveitando a expertise do parceiro privado.

Para esse “problema”, o modelo discutido propõe uma solução que permite ao ente público transferir riscos – em parte ou na sua totalidade – ao ente privado e, ao mesmo tempo, definir os estímulos que entender relevantes de modo a direcionar a atuação do parceiro privado ao encontro da política pública que se busca atender.

Assim, se observam inúmeras necessidades da administração que configuram oportunidades de ganho de eficiência na execução e facilitação da fiscalização pelos órgãos de controle. É mais simples gerenciar e fiscalizar a execução do procedimento médico como um todo do que acompanhar o preço e quantidade de todos os insumos aplicados – como drogas, material cirúrgico, custo hospitalar, honorários médicos, energia elétrica, água e recursos humanos.

Assim como o exemplo hospitalar aqui tratado, projetos pelo Brasil e pelo mundo validam essa hipótese. PPPs e concessões contribuem para muito além dos projetos de infraestrutura pesada. Em áreas como educação, por exemplo, o parceiro privado pode executar serviços não pedagógicos, como limpeza, manutenção, segurança etc. O modelo ainda serve a outras realidades: gestão de equipamentos públicos, como mercados, praças esportivas, parques e praças urbanas, saneamento público; fornecimento de internet de alta velocidade; iluminação pública, além de um sem número de possibilidades.

Em todos esses exemplos, temos atividades que podem ser medidas e controladas pelo poder público com um acréscimo de eficiência exponencial. Este, ao estabelecer os indicadores que pretende ver atingidos pelo parceiro privado, mantém a vinculação do projeto à política pública pretendida pela administração, delega a execução para o parceiro e se beneficia de suas ferramentas, especialidades e estímulos próprios do setor privado.

Esse formato de interação estruturada, em especial a PPP, permite, inclusive, a inserção dos indicadores e metas que direcionem a ação para a geração de um maior impacto social. É o caso, por exemplo, da redução de evasão escolar ou aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), relativos à área de educação, ou a redução de mortalidade em serviços de saúde, possibilitando o foco não somente no número de aulas ministradas ou número de procedimentos executados, por exemplo.

Com relação à PPP, o professor Floriano de Azevedo Marques asseverou que os contratos de PPP são contratos de desempenho. Nesse particular, ensina que o poder público contrata o resultado que busca e não estabelece o meio pelo qual o particular deve executá-lo; define, sim, os indicadores e parâmetros a serem perseguidos.

Dito isso, é de se considerar o modelo de concessões e PPPs como uma ferramenta de verdadeira inovação operacional à disposição da administração, a qual a um só tempo concilia as potencialidades de ambos os setores, público e privado.

Essas ferramentas oferecem a possibilidade de o gestor público alocar o risco de forma mais eficiente entre o poder público e o parceiro privado. Ou seja, permitem um melhor aproveitamento das competências de cada parte.

É de se olhar, pois, para concessões e PPPs como uma alternativa possível e disponível ao gestor público para não simplesmente servir de alternativa às dificuldades fiscais, mas para viabilizar inovação operacional nas entregas da administração, agregando valor às iniciativas públicas.

Ítalo Mitre Alves de Lima é CEO da Arena das Dunas Concessão e Eventos

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