Folha De S. Paulo

07/07/2021

Investidores, empresários e consumidores continuam à procura de orientações para navegar no mundo ESG, mas moralismo é guia ilusório

“Investimentos em infraestrutura pública são investimentos ESG? E em cannabis medicinal?” Pressionados pela imprensa e pelos seus pares, investidores brasileiros se perguntam todos os dias que tipos de empresas podem comprar para estar alinhados com a filosofia ESG.

Mas faltam respostas. Escasseiam as orientações. Abundam as contradições.

É quase consensual que empresas de tabaco são réus no tribunal ESG. Mas e se tiverem uma política sofisticada de mitigação das alterações climáticas, um conselho de administração diverso e uma verdadeira cultura de valorização de funcionários? E se o tabaco (a planta) for produzido de forma regenerativa e em alinhamento com os interesses das comunidades rurais?

É quase consensual que empresas que produzem energia solar têm estatuto de divindade no presépio ESG. Mas e se os painéis solares forem produzidos com mão-de-obra escrava? E como contabilizamos o fato de a produção de silicone policristalino usar chumbo, cádmio e outros produtos químicos tóxicos?

Quantos são os investidores que não compram dívida de países africanos que violam os Direitos Humanos, mas compram títulos públicos chineses ou alocam capital em empresas do país com baixas credenciais em sustentabilidade?

Só mais um exemplo: investidores responsáveis ou sustentáveis poderão ter os seus fundos domiciliados em paraísos fiscais?

Políticas, práticas e dados ESG não são consensuais e universais. Se dissecarmos todas as componentes de uma empresa —a estratégia, a governança, as operações, os produtos e os stakeholders— certamente encontraremos incongruências, negligências e descontinuidades na forma como se integra ESG ou na forma como investidores e consumidores gostariam que ESG fosse integrado. Neste emaranhado, ESG tornou-se um universo multi-interpretativo. Deixou de ser um instrumento corporativo ou financeiro para passar a ser uma causa. Mais passional do que racional.

Este contexto é fértil para o aparecimento do famigerado greenwashing. Todos o conhecemos.

Mas é também por estas mesmas fissuras que adentra o sopro quente do moralismo, como uma solução fácil para um problema complexo. Na ausência de standards e referências universais e consensuais, o moralismo incorporou as funções de mediador do mercado ESG.

A moralidade é o que torna possível a vida civilizada, mas o moralismo inflaciona a sua importância e transforma um conjunto de normas produzidas de forma exterior aos indivíduos em prescrições comportamentais. Um moralista é um pregador, um apontador de dedo, um juiz.

Quando moralistas dominam o mercado ESG, perde-se a noção da complexidade e da racionalidade e transformam-se empresas e investimentos em cânones abstratos da moral. Nesse mundo reducionista, onde o moralista projeta as suas motivações nos outros, uma empresa de tabaco é sempre sinônimo do mal e uma empresa de energia solar é sempre a epítome do bem. É o macartismo da sustentabilidade.

Ao longo dos anos houve várias tentativas para limitar o espaço dos moralistas. Tentou-se inocular o mercado ESG com alguma racionalidade e pragmatismo.

Em um primeiro momento, as empresas passaram a ser analisadas de forma dicotómica, distinguindo-se a operação interna (sustentabilidade corporativa) do produto (impactos na sociedade ou no meio ambiente). Práticas ESG também passaram a ser vistas binariamente como uma estratégia de mitigação de risco ou como uma ferramenta de geração de impacto.

Depois surgiram taxonomias de atividades socioambientais —longas listas telefónicas de práticas e produtos que podem ser considerados sustentáveis. E em tempos mais recentes a legislação, pelo menos na Europa, tem obrigado empresas a reportar tudo (processos, estratégias, produtos, impactos positivos e negativos) de forma empacotada.

O objetivo destas iniciativas é ajudar investidores, empresários e consumidores a orientarem-se no universo ESG.

Mas continuam a chegar as mesmas perguntas: “podemos investir em hospitais privados? Podemos fazer PPPs de saneamento com governos com problemas de corrupção?”

Para os investidores (institucionais, gestores de fundos, wealth managers) a recomendação é que não olhem apenas para os potenciais ativos, mas olhem sobretudo para si mesmos.

Observem o seu processo e não apenas a carteira. Adotaram uma arquitetura ESG que inclui estratégia, cultura, processos de investimento, métricas, comunicação? Se políticas, práticas e dados ESG estiverem incorporadas estruturalmente no investidor, então necessariamente o portfolio é ESG. É ao investidor que cabe definir, afugentando os moralismos, porque se engaja com temas ESG e como o faz. Só um investidor sabe o que é material para os seus fluxos de caixa. Só um investidor sabe quais os objetivos que quer atingir com os seus investimentos.

Em termos práticos, tanto é um bom investidor ESG aquele que usa um arsenal de técnicas ESG apenas para maximizar retornos e minimizar riscos (investindo em todas as indústrias e geografias) quanto aquele que tem como intenção resolver problemas sociais ou ambientais. Daremos lastro ao falso moralismo se tentarmos hierarquizar investimentos numa escala de casticidade.

ESG é um cardápio de opções, não é uma receita.

Rodrigo Tavares
Fundador e presidente do Granito Group; professor de Sustainable Finance na Nova School of Business and Economics. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017.