Por Juliana Machado e Camila Maia – Valor Econômico

14/02/2019 – 05:00

Um dos principais ativos na mira da agenda de privatizações, a Sabesp passou a enfrentar um momento de grande instabilidade. As ações da empresa passaram por uma verdadeira gangorra nas últimas sessões, que já tirou R$ 4,15 bilhões do seu valor de mercado, no embalo de comentários de membros do governo sobre seu futuro.

As falas recentes do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e seus secretários e a expectativa de que será aceita uma importante emenda na Medida Provisória (MP) 868 indicam que a privatização da Sabesp está distante de se concretizar – e o mercado passou a incorporar esse cenário aos preços. A companhia liderou os avanços do Ibovespa em janeiro, com alta de 37,68%, justamente de olho na agenda liberal da gestão atual; no ano, a alta é de 21%. No mês, porém, o papel cai 12%.

Na máxima atingida neste ano, em 29 de janeiro – que também é a máxima histórica do papel – a ação era cotada a R$ 44,40. Hoje, ela custa R$ 38,32. De lá para cá, portanto, a desvalorização ainda é de cerca de 14%.

Nesta semana, Doria voltou a defender a privatização da Sabesp, desde que a MP, que trata do marco regulatório do setor de saneamento, seja aprovada no Congresso. Membros do governo, inclusive o vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM-SP), contudo, têm reiterado que, se uma alteração for aprovada, será mais interessante a Sabesp permanecer estatal. Nesse cenário, o governo pensaria em uma eventual capitalização da empresa para ajudar na sua arrecadação.

Analistas mencionaram a falta de alinhamento entre membros do governo paulista, inclusive o Secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, durante diversas reuniões com investidores ao longo da semana passada e no início desta. Alguns interlocutores teriam defendido a Sabesp como instrumento de política pública, não podendo, portanto, sair das mãos do governo.

Para o mercado, porém, o embate é outro. “Não faz sentido esse raciocínio”, diz uma fonte de um fundo. “O que se deseja ao fazer isso é manter o monopólio da Sabesp, que já é um monopólio natural.” O profissional diz ter conversado com investidores estrangeiros, que têm fatia relevante na Sabesp. Eles veem um maior ambiente de insegurança e criticam a forma de comunicação do governo.

A capitalização também é criticada porque ajudaria o governo a garantir a arrecadação do Estado, mas a um preço bastante inferior ao que seria possível com uma privatização. Além disso, o Estado de São Paulo conta com relativa folga fiscal.

Outra preocupação é em termos de governança corporativa, porque a capitalização ocorreria via criação de uma holding: o governo venderia parte da sua fatia na Sabesp, mas continuaria sendo controlador indiretamente. “O papel deixa de ser negociado a partir de fundamentos, então não tem como saber onde ele vai parar”, afirma o profissional. No fundo gerido por ele, a exposição à ação da Sabesp foi zerada na sexta-feira.

O motivo da falta de alinhamento no caso da Sabesp está no artigo 10-C da MP, que determina que novos contratos com municípios precisarão ser feitos por meio de licitação, acabando com as negociações bilaterais. O argumento é que, se o texto passar com essa cláusula, os agentes privados, com maior capacidade financeira e competitividade, deverão mirar apenas os municípios superavitários. Com isso, as estatais ficarão sozinhas na gestão do saneamento de municípios deficitários. Hoje, isso já acontece, mas o ganho nas cidades superavitárias acaba compensando as perdas, em uma espécie de subsídio cruzado.

Como essa é uma questão que afeta a competitividade de todas as estatais do setor, há um esforço grande junto ao Congresso para que uma emenda proposta seja aprovada, excluindo do artigo 10-C todas as companhias que são superavitárias – o caso da Sabesp. Se a empresa não for submetida ao 10-C e puder continuar competitiva como estatal, deve prevalecer o plano de capitalização. A privatização continua na mesa, mas não será mais imperativa.