Renée Pereira, O Estado de S.Paulo
24 de abril de 2019 | 04h00

Em dez anos, participação do setor privado subiu de 3,89% para 5,83%; isso significa 325 municípios atendidos de um total de 5.570; desempenho do País no setor está abaixo de algumas nações vizinhas, como Chile, México e Peru

As barreiras regulatórias têm impedido o avanço da iniciativa privada no setor de saneamento básico no Brasil, hoje considerado o setor mais atrasado da infraestrutura. Em dez anos, a participação das empresas privadas saiu de 3,89% para 5,83% das cidades brasileiras. Isso significa apenas 325 municípios com algum atendimento privado num total de 5.570, segundo o Panorama 2019, que será lançado nesta quarta-feira, 23, pela Abcon e Sindicon (associação e sindicato das concessionárias privadas).

O problema é que, do outro lado, o setor público não tem dinheiro – nem capacidade de endividamento – para bancar os investimentos necessários para a universalização dos serviços básicos de saneamento. Nos últimos anos, o volume aplicado no setor ficou em torno de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) enquanto a meta do Plano Nacional de Saneamento (Plansab) é de 0,33%.

O resultado dos baixos investimentos são 100 milhões de brasileiros sem acesso à rede de esgoto e 35 milhões sem acesso à água potável – números que saltam aos olhos de investidores com dinheiro para aplicar no setor. Mas transformar toda essa carência de investimento em oportunidades de negócios não é uma tarefa simples no setor. Apesar de ter dinheiro disponível, as empresas enfrentam dificuldades para conseguir firmar contratos com os municípios – hoje atendidos, em sua maioria, por companhias estatais.

Recente trabalho feito pela GO Associados, mostrou que apenas três licitações foram feitas no setor em 2017 e 2018 – número 83% inferior ao período de 2015 e 2016. “A expansão da iniciativa privada no setor de saneamento nos últimos anos é ridícula”, afirma o diretor da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto. Apesar disso, 20% de todo investimento feito no setor em 2016 veio da iniciativa privada.

Medida provisória

Segundo ele, a busca por novos negócios é grande. O que atrapalha é que a legislação atual permite que os contratos em vigor sejam renovados automaticamente sem nova licitação – o que pode mudar se a Medida Provisória (MP) 868 for aprovada no Congresso Nacional. Pela proposta, todos os contratos vencidos terão de passar por novo processo de licitação. A mudança abriria o mercado para a iniciativa privada disputar espaço nos municípios.

Atualmente, as estatais são contra uma série de mudanças previstas na MP. Para o diretor-presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Roberto Tavares, os principais pontos negativos da medida é o oferecimento obrigatório das concessões vencidas primeiro ao setor privado; a entrada pulverizada da iniciativa privada, escolhendo os municípios rentáveis e deixando os deficitários para as estatais; e a perda da economia de escala e extinção do subsídio cruzado existente no setor. Tavares afirma que o governo sinalizou para mudança de todos esses pontos.

A iniciativa privada não vê problemas na concessão de áreas em blocos, com vários tipos de municípios, rentáveis e não rentáveis. “O que não dá é para continuar do jeito que está, com a estatais explorando mais os serviços de água e deixando o esgoto para as prefeituras resolverem”, diz Soares Neto.

Além disso, completa ele, não adianta fazer o atendimento da população de qualquer jeito. Atualmente, afirma o executivo, 42% da população atendida com rede de água não tem fornecimento todos os dias e com qualidade.

Indicadores piores que 105 países

Oitava economia do mundo, o Brasil está atrás de 105 países em relação aos indicadores de acesso à água e esgoto. Segundo o Panorama da Participação Privada no Saneamento 2019, com base em dados internacionais, o desempenho brasileiro é pior que o verificado nos países vizinhos, como Chile, México e Peru. A Bolívia chega a ter índice de atendimento de água maior que o do Brasil.

Para mudar essa situação, o País precisaria investir cerca de R$ 20 bilhões por ano – montante que nunca foi alcançado. Em 2016, por exemplo, foram investidos R$ 11,33 bilhões em saneamento, ou seja, 0,18% do PIB nacional. Em 2017 esse montante caiu para R$ 10,05 bilhões. A questão é que, além de não alcançar a universalização, os serviços prestados também não são adequados. Para se ter ideia, a perda de água no País representa cerca de R$ 10 bilhões por ano – ou seja, todo o volume investido no setor.

Importante indicador de desenvolvimento de um país, o saneamento básico também tem reflexos na saúde da população. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), compilados no Panorama 2019 da iniciativa privada, mostram que 1.933 municípios (34,7% do total) registraram ocorrência de epidemias ou endemias provocadas pela falta de saneamento básico em 2017.

Dengue

A doença mais citada pelas prefeituras foi a dengue. No período, 1.501 municípios (26,9% do total) registraram ocorrência da doença – transmitida pela picada do mosquito Aedes Aegypti, que se reproduz em água parada. Outras doenças com grande incidência, provocadas pela falta de saneamento, foram a disenteria (23,1%) e verminoses (17,2%) – que tem efeito negativo na economia, seja por causa dos gastos com internação ou pelos afastamentos do trabalho.

Segundo o Panorama, considerando o avanço gradativo do saneamento, em 20 anos (2016 a 2036), o valor da economia com gastos com a saúde – seja pelos afastamentos do trabalho ou pelas despesas com internação no Sistema Único de Saúde (SUS) – alcançaria R$ 5,9 bilhões no País.