Amazonas Atual

21 de maio de 2019

As correntes políticas neoliberais ocupam lugar de destaque na atual conjuntura brasileira, visando diminuir as responsabilidades do Estado perante o bem-estar da população. As principais políticas neoliberais são a privatização das empresas públicas, a rigorosa contabilidade fiscal dos gastos públicos e a liberalização do mercado do controle do Estado.

O objetivo destas políticas é transferir para o ramo do mercado os serviços atribuídos ao Estado pela própria Constituição de 1988. Dentre estes serviços estão o direito à moradia, à saúde, à educação, à previdência social e ao saneamento básico. Assim, há uma forte relação entre as políticas neoliberais e a privatização do abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Postas em prática a partir dos anos 1970, as políticas neoliberais objetivaram impedir a falência do sistema capitalista, provocada pela crise do petróleo de 1973 e pela diminuição dos lucros das grandes empresas. A estratégia era incentivar a ampliação dos mercados de forma que eles assumissem o comando dos serviços realizados pelo Estado e dominassem todas as dimensões da sociedade e da vida humana. Mas, para fazer isso, era necessário criar condições favoráveis para o funcionamento do mercado e reduzir o Estado ao mínimo de suas atribuições, mesmo que isto significasse reduzir os investimentos nos serviços mais básicos da população, como abastecimento de água, educação, saúde e saneamento básico em geral.

Para alcançar um propósito como este, os grandes empresários e políticos do mundo ocidental teriam que desagradar a maioria da população, por isso resolveram fazer o primeiro experimento do neoliberalismo na ditadura militar do Chile (entre 1973 e 1990), derrubando o presidente eleito Salvador Allende, com a ajuda dos Estados Unidos da América.

Portanto, há uma forte relação entre políticas neoliberais e ditadura militar. O primeiro teste das políticas neoliberais ocorreu numa ditadura, pois em um regime democrático elas não teriam sido aceitas pelo povo. Trata-se de medidas para atender aos interesses dos grandes empresários e patrocinadas pelos países mais ricos e pelas agências multilaterais: Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio, formando a santíssima trindade do neoliberalismo.

Os governos Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) introduziram o neoliberalismo no Brasil. Eles iniciaram um processo de abertura econômica ao mercado internacional, onde o Brasil ocupava uma posição subalterna em relação às nações mais ricas e às empresas multinacionais, seguindo à risca a receita do Consenso neoliberal de Washington (1989). Começaram uma reforma do Estado Brasileiro, em que o capital tinha prevalência absoluta sobre a sociedade e os serviços sociais constituíam politicas meramente residuais, numa completa indiferença às necessidades básicas dos setores mais pobres da sociedade.

É neste ambiente de incentivo e ampliação dos mercados que a empresa Manaus Saneamento (subsidiária da COSAMA) foi vendida para a multinacional francesa Lyonnaise des Eaux, em 29 de junho de 2000. Com esta transação, os serviços de água e esgoto são retirados do Estado, transferidos para o mercado e submetidos às leis de compra e venda.

A partir de então, os serviços de água e esgotamento sanitário em Manaus deixaram de ser tratados como direitos dos cidadãos e passaram ser considerados como mercadorias a serviço do lucro dos empresários. No regime de privatização somente usam os serviços quem paga por eles e isso significa excluir grandes setores da população destes serviços básicos, por eles não terem condições financeiras para arcar com o pagamento das tarifas.

As empresas que atuam no abastecimento de água de Manaus não estão preocupadas com a qualidade de vida das comunidades, mas seu objetivo principal é a obtenção de lucros. As centenas de reclamações que diariamente chegam aos órgãos oficiais indicam esta realidade. A falta água nas periferias da Manaus e a inexistência de coleta e tratamento de esgoto deixam isso bem claro! Muitas são as estratégias destas empresas, visando obter os seus lucros: elevados aumentos das tarifas, falta de investimento nos serviços, cobranças indevidas, obtenção de empréstimos milionários com os bancos públicos e a resistência na implantação da tarifa social. Tudo isso com o apoio da prefeitura municipal, que é o responsável último pelos serviços.

Lyonnaise des Eaux, Solvi, Águas do Brasil e Aegea Saneamentos. Estas são as 4 grandes empresas do setor de saneamento que geriram os serviços de água e esgoto (através da concessão realizada pela prefeitura) ao longo dos últimos 19 anos, mas estes serviços ainda estão entre os principais problemas da cidade. Estas empresas lucraram muito, mas a população continua sofrendo, principalmente aquela parte mais pobre. Aqueles que vivem nas periferias, nas favelas e nas palafitas.

No mercado não se ver as pessoas como cidadãos, mas como consumidores e estes só valem quando compram. Por isso, no mercado os direitos desaparecem, o que aparece são as mercadorias adquiridas com o pagamento. Por isso, as políticas neoliberais atuam contra os direitos sociais dos cidadãos, pois estes direitos valorizam a dignidade humana e garantem a vida das pessoas, independente das suas condições de pagamento.

Em sociedades desiguais como a nossa, transformar direitos em mercadorias produz muito sofrimento, pois grande parte da nossa gente vive na pobreza, principalmente num contexto de altos índices de desemprego. Esta situação fica mais dramática quando se refere a um bem tão essencial como a água. Ninguém vive sem água e negar a água para uma pessoa que não pode pagar significa colocar esta pessoa numa situação de morte, por isso, as politicas neoliberais são perversas. Por isso a privatização dos serviços de água causam grandes sofrimentos aos mais pobres.

*Sandoval Alves Rocha é padre Jesuíta, colaborador do Sares (Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental). Com doutorado em Ciências Sociais (PUC-RJ), defendeu a tese “A luta pela água na Amazônia – desafios e contradições do acesso à água em Manaus”.