Por Claudio Sales e Eduardo Monteiro – Valor Econômico

14/06/2018 – 05:00

Está em tramitação no Congresso o Projeto de Lei (PL) 6.621/2016, a “Lei das Agências Reguladoras”, que se propõe a dar mais clareza e uniformidade institucional ao papel dos reguladores de 10 setores econômicos, incluindo o elétrico (Aneel), petróleo e gás (ANP), telecomunicações (Anatel) e águas (ANA).

O PL “dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras” e introduz vários avanços ao explicitar a necessidade de autonomia administrativa e independência decisória das agências reguladoras.

Qualquer incentivo à autonomia das agências reguladoras em relação aos Poderes Executivo e Legislativo deve ser aplaudido porque contribui para diminuir interferências políticas sobre os setores de infraestrutura, caracterizados por investimentos bilionários que só obterão retorno no longo prazo e, por isso mesmo, são presas preferidas do oportunismo e do populismo.

Qualquer incentivo à autonomia das agências em relação aos poderes Executivo e Legislativo deve ser aplaudido É por isso que um dos maiores avanços do projeto de lei é a explicitação, logo no seu artigo 3º, da essência do conceito de regulador: “A natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira, e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos”. Se esse texto fosse respeitado, a maior parte das confusões conceituais – por ignorância ou má fé – envolvendo reguladores não existiriam.

Autonomia funcional e administrativa não existem sem autonomia financeira, e esse é um dos avanços parciais do projeto de lei, pois os orçamentos das agências seriam desvinculados dos Ministérios mais correlatos (no caso da Aneel, por exemplo, seu orçamento é atualmente vinculado ao do Ministério de Minas e Energia), passando a se vincularem diretamente ao Ministério do Planejamento. O avanço é parcial porque essa medida tende a diminuir a interferência política sobre o orçamento das agências, mas não blinda as agências contra o contingenciamento, pelo governo, de suas receitas próprias.

Em alguns fóruns temos ouvido a ameaçadora ideia de inserir no PL a figura de um “Conselho Nacional de Regulação” que seria de natureza “supervisora e consultiva”. Apesar de não constar do projeto de lei, essa ideia representaria tamanho retrocesso que precisa ser vigorosamente rechaçada. Quem realmente conhece a rotina de uma agência reguladora sabe que os diretores já têm seu precioso tempo desviado da atividade regulatória final para atender às demandas de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e Advocacia Geral da União (AGU). Mais um “conselho” não agrega valor à regulação e esses “conselheiros” seriam mais uma fonte de interferência política e mais um cabide de empregos.

O PL também traz uma boa solução para a vacância de membros da diretoria, problema que aflige muitas das agências. O texto uniformiza o quadro de diretores em cinco membros, com mandatos de cinco anos, e exige a sua renovação gradual e anual: “Os mandatos… serão não coincidentes, de modo que, sempre que possível, a cada ano, ocorra o vencimento de um mandato e uma consequente nova indicação”.

No entanto, o maior avanço do projeto de lei se dá no recrutamento dos diretores das agências, que passa a ser mais rigoroso. Entre as novidades: 1- a obrigatoriedade de os candidatos terem pelo menos 10 anos de experiência profissional no “campo de atividade da agência”, sendo pelo menos quatro anos em posições de senioridade; 2- a exigência de formação acadêmica compatível com o cargo; 3- a imposição de processo de pré-seleção amplamente divulgado e baseado em análise de currículo para atendimento a chamamento público que resultará em lista tríplice; 4- a vedação de candidatos que sejam sindicalistas, dirigentes estatutários de partido político ou que tenham atuado, nos três últimos anos, em estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a campanhas eleitorais.

Apesar de o aumento de rigor ser elogiável, ainda há desafios que poderiam ser endereçados no PL com o objetivo de garantir que as diretorias das agências contem com os melhores quadros. Um dos desafios será o recrutamento contínuo que na prática acontecerá, pois a cada ano um novo diretor precisará ser selecionado.

A chamada “comissão de seleção, cuja composição e procedimento serão estabelecidos em regulamento” poderia ser trocada pela contratação de um ‘headhunter’ – via licitação pública e com recursos orçamentos das próprias agências – que daria disciplina e transparência ao processo pois, com sua reputação em jogo, esse recrutador profissional eliminaria na raiz os maus candidatos e faria o monitoramento contínuo dos bons candidatos a serem atraídos a cada ano.

Um outro desafio é o nível de remuneração dos diretores, incompatível com salários de mercado, pelo menos no caso da Aneel, pois sabemos que excelentes profissionais foram sondados, mas o salário os afastou. Considerada a responsabilidade do cargo de diretor de agência, o projeto de lei poderia introduzir uma cláusula compatibilizando a remuneração desses profissionais com o salário de ministro de Estado.

Na mesma linha de atrair bons profissionais, a vedação de candidatos que tenham atuado no mercado nos últimos 12 meses elimina uma lista de potenciais bons diretores. Afinal, faz sentido admitir a hipótese de que profissionais cobiçados ficarão um ano a espera de uma vaga de regulador?

Até que o Projeto de Lei 6.621/2016 seja aprovado, os diretores das agências serão indicados pelo presidente da República – com base no preocupante e difuso critério intitulado de “apoio político” – e sabatinados pelo Senado.

Na Aneel, três diretores terão seus mandatos encerrados em agosto. Infelizmente, vários dos nomes que têm sido veiculados e que contariam com “apoio político” não satisfazem aos novos critérios do projeto de lei para preenchimento das posições de diretoria, o que faz disparar um alarme que deveria incomodar os responsáveis por essas “indicações políticas”.

Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são presidente e diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)