04/03/2021

*Por Victor Medeiros, Rafael Ribeiro e Pedro Amaral

Valor Econômico

04/03/2021

*Por Victor Medeiros, Rafael Ribeiro e Pedro Amaral

Elevar a qualidade e oferta têm grande potencial para reduzir a pobreza

A crise de saúde pública causada pela pandemia da covid-19 teve impactos devastadores nos níveis de pobreza e desigualdade ao redor do mundo. Enquanto os trabalhadores mais qualificados e com salários mais altos seguiram trabalhando em casa, muitos trabalhadores menos qualificados e com salários mais baixos não tiveram essa opção.

Os trabalhadores com salários mais baixos estão mais representados em setores que tiveram suas atividades suspensas como hotéis, restaurantes, salões de beleza e serviços turísticos. Já os trabalhadores de baixa renda que seguiram trabalhando em serviços essenciais, como enfermagem, supermercados e limpeza, também sofreram com taxas de contágio mais elevadas devido à maior probabilidade de contato com pessoas infectadas. Assim, o alto desemprego e as condições adversas de trabalho para os trabalhadores de baixos salários acabaram ampliando ainda mais o fosso entre trabalhadores mais e menos qualificados, elevando assim os níveis de desigualdade de renda.

Enquanto os efeitos econômicos da infraestrutura em termos de aumento da produtividade são amplamente reconhecidos, definir quem mais se beneficia desses investimentos ainda é um tema pouco estudado. Assim, a pergunta que se faz aqui é a seguinte: qual o efeito de um aumento nos investimentos em infraestrutura sobre os níveis de pobreza e desigualdade de renda?

Em resposta a essa pergunta podemos citar dois fatores. O primeiro está diretamente relacionado ao grau de descontinuidade na cobertura dos serviços de infraestrutura no espaço. Pela capacidade de oferecer níveis de rentabilidade mais elevados, projetos de infraestrutura em regiões mais ricas e populosas tendem a atrair um maior volume de investimentos, em detrimento das localidades mais afastadas dos grandes centros e de menor adensamento populacional, aumentando as disparidades regionais.

O segundo fator está associado à qualidade dos serviços prestados. Serviços de infraestrutura de baixa qualidade podem onerar mais a população de baixa renda. Um exemplo está no setor de energia elétrica, uma vez que o consumo de eletricidade representa uma parcela elevada da renda dos mais pobres. A baixa qualidade dos serviços de energia tende a afetar desproporcionalmente os mais pobres devido à queima de aparelhos provocados por quedas de energia frequentemente.

Da mesma forma, a parcela da população mais vulnerável economicamente é também a que mais sofre com doenças de veiculação hídrica causadas pelo tratamento inadequado de água e esgoto. Este segundo fator deixa claro como não só a quantidade ofertada, mas também a qualidade dos serviços é um fator de extrema importância para a análise da eficácia dos investimentos em infraestrutura.

Uma série de estudos que realizamos recentemente no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG) busca avaliar o impacto de um aumento nos investimentos em infraestrutura sobre os níveis de pobreza e desigualdade no Brasil. Um dos estudos publicado ano passado na revista World Development mostra que maiores investimentos na oferta e qualidade da infraestrutura têm grande potencial para promover a redução da pobreza domiciliar no país. É estimado que um aumento de 1% no estoque de infraestrutura de municípios e Estados está associado a uma queda nas chances de pobreza domiciliar em torno de 7% e 18%, respectivamente.

Os estudos também buscam mensurar os impactos dos investimentos em infraestrutura sobre a desigualdade de renda no país. Em um segundo estudo, disponível como texto para discussão do Cedeplar, os resultados apontam que melhorias na cobertura da infraestrutura reduzem a desigualdade de renda nos municípios brasileiros. Investimentos em saneamento e telecomunicações se mostraram mais eficientes do ponto de vista redistributivo. Um terceiro estudo, dessa vez para os Estados brasileiros, publicado na revista Energy Policy também no ano passado, analisa os efeitos da oferta e da qualidade da infraestrutura de energia elétrica sobre a desigualdade de renda. É estimado que uma expansão de 10% do consumo de energia elétrica residencial per capita gera uma redução de 2% a 4% na desigualdade de renda.

Ampliar o volume de investimentos em infraestrutura é um dos principais desafios que os países enfrentarão nos próximos anos. O cenário atual de redução do espaço fiscal e priorização dos gastos públicos para conter a pandemia exige que o papel do governo como regulador e planejador seja aprimorado e, consequentemente, que seja capaz de alavancar recursos privados destinados à infraestrutura para elevar os investimentos. Dentre os fatores que podem aumentar a atração de capital privado para o setor podemos citar uma maior eficiência no planejamento, definição de projetos prioritários, estabelecimento de cronogramas críveis, análise custo-benefício ex-ante e estudos técnicos de viabilidade de projetos, além de maior transparência nas cláusulas contratuais.

Contudo, os esforços em direção ao aumento na participação de recursos privados visando reduzir a dependência de recursos públicos no custeio dos projetos de infraestrutura enfrentam grandes obstáculos. Do ponto de vista da captação de recursos domésticos, os entraves estão na forte concentração bancária e no fato de que a base de investimentos é ainda muito limitada e pouco diversificada, composta principalmente por pessoas de mais alta renda. Nesse sentido, a pobreza e a desigualdade de renda que podem ser combatidas com maiores investimentos em infraestrutura, por sua vez, se tornam também limitantes do próprio investimento no setor, localizando a economia em uma armadilha de baixo crescimento e alta desigualdade de renda.

Do ponto de vista da captação de recursos estrangeiros, podemos apontar hoje como os principais limitantes a incerteza com relação ao cenário político e a ausência de estratégias no plano econômico para o país nos próximos anos.

Nesse contexto de incertezas e estagnação dos investimentos privados, uma forte atuação dos bancos públicos, como o BNDES, se torna imprescindível. Assim, sem uma adaptação do teto de gastos de modo a permitir uma fonte de financiamento contínuo para projetos que visem expandir a cobertura dos serviços de infraestrutura ao longo do território nacional, dificilmente a economia brasileira conseguirá atingir taxas mais elevadas de crescimento econômico com redução do desemprego e maior inclusão social.

*Victor Medeiros é doutorando em Economia no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG).
*Rafael S. M. Ribeiro é professor de Economia do Cedeplar/UFMG e membro associado do Cambridge Centre for Economic and Public Policy da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
*Pedro V. M. do Amaral é professor de Economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG