Por Daniel Rittner e Renan Truffi – Valor Econômico
11/06/2019 – 05:00

Apresentado no início da semana passada e votado em menos de 72 horas pelo Senado, o projeto de lei com alterações no modelo de exploração do saneamento básico recebeu emendas que desvirtuaram suas premissas originais e dificultam a privatização das companhias estaduais de água e esgoto. Na prática, o texto aprovado em plenário fica longe do que estava sendo costurado entre o Palácio do Planalto e governadores no âmbito da MP 868, medida provisória que perdeu validade em 3 de junho e foi substituída pelo PL 3.261, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

A equipe econômica e o Ministério do Desenvolvimento Regional avaliaram vários pontos como “muito ruins” ou “incompleto”. Insatisfeito, o governo Jair Bolsonaro tenta agora resgatar as bases iniciais da proposta durante sua tramitação na Câmara, onde já circulam outros dois projetos de lei – dos deputados Fernando Monteiro (PP-PE) e Evair de Melo (PP-ES) – que serão anexados ao de Tasso. Ficará com o Senado, no entanto, a palavra final em torno do saneamento – e isso está preocupando os empresários, que viram como negativa essa última sinalização.

Na visão do governo e do setor privado, um dos maiores problemas no texto aprovado é a possibilidade de prorrogação dos contratos de programa (firmados diretamente entre municípios e companhias estatais) sem qualquer avaliação técnica preliminar, nem exigência de capital privado.

A MP previa uma substituição dos contratos de programa por contratos de concessão (que têm necessidade de abertura de licitação). Diante da resistência de boa parte dos governadores, um acordo foi feito: a prorrogação dos contratos com empresas estaduais, mas mediante a assinatura de subconcessão ou parceria público-privada (PPP) para universalizar os serviços – e caberia à Agência Nacional de Águas (ANA) em quanto tempo isso ocorreria.

Na votação apressada, sumiu a existência de qualquer contrapartida. “As empresas públicas são altamente endividadas, em sua grande maioria, e não têm condições de garantir elas mesmas a universalização dos serviços”, lamenta o secretário nacional de Saneamento Ambiental, Jônathas de Castro, que vê a necessidade de correção da medida.

Outra preocupação, apontada pela equipe econômica, envolve uma emenda para o caso de licitações para contratos de concessão em que não há interessados e a disputa fica deserta. Nesse caso, segundo o texto aprovado pelo Senado, os gestores municipais tornam-se livres para contratar diretamente as empresas públicas. O temor é que as prefeituras façam editais ruins ou que se elimine a chance de PPPs onde não houver viabilidade de concessões puras.

Para a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o PL 3.261 trazia inovações regulatórias “na proporção da carência existente” em saneamento básico, mas os senadores deixaram escapar a oportunidade de consolidar essas melhorias. “O texto que ingressou no plenário do Senado Federal foi alterado, mudando propostas que poderiam endereçar de forma estrutural os desafios para expansão e a melhoria da infraestrutura de saneamento”, disse a entidade.

O secretário chama a atenção ainda para uma parte do projeto que foi suprimida e pode deixar o novo marco regulatório “incompleto”. A ideia original, preservada no relatório de Tasso sobre a MP 868, era dar à ANA o poder de editar “normas de referência” para o setor. Elas possibilitariam uma harmonização básica das regras aplicadas na prestação de serviços.

Hoje convivem no país existem 49 agências reguladoras.

O trecho relativo à ANA, entretanto, saiu do projeto. “Fica faltando uma peça no quebra cabeça”, nota o secretário Jônathas de Castro. “Isso induziria padrões regulatórios mínimos – ponto essencial ao capital privado – em um mercado tão carente de investimentos e que precisa atrair recursos de diversas fontes. É urgente que autoridades governamentais e políticas legislem sobre o tema pelos instrumentos legais pertinentes”, acrescenta a Abdib.