Por Cauê Muraro, G1

Instituto Trata Brasil lança portal nesta terça para mostrar impacto socioeconômico do acesso a água, coleta e tratamento de esgotos. País tem ‘indicadores do século 19’, diz presidente da organização.

Moradores de locais sem acesso a saneamento básico ganham salários menores do que a população com acesso a água, coleta e tratamento de esgotos. Também estão mais vulneráveis a doenças comuns em áreas em que essa infraestrutura inexiste ou é precária – e o efeito direto disso é uma elevação nas despesas com saúde pública.

As conclusões fazem parte de um levantamento do Instituto Trata Brasil e constam de um portal lançado pela organização nesta terça-feira (23). Chamada Painel Saneamento Brasil, a plataforma mostra dados sobre saneamento e seus impactos socioeconômicos nas 200 maiores cidades do país.

“Não cabe mais, em pleno século 21, termos indicadores de saneamento básico típicos de século 19. Isso é inadmissível”, avalia, em entrevista ao G1, o presidente do Trata Brasil, Édison Carlos. De acordo com ele, os investimentos no setor estão muito abaixo do necessário.

Para traçar o comparativo, o Trata Brasil analisou índices de quatro regiões metropolitanas: Belém, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. De acordo com o presidente do instituto, elas foram escolhidas aleatoriamente, mas permitem traçar um panorama do país como um todo.

“Qualquer cidade do Norte ou do Nordeste vai ter números provavelmente muito piores do que do Sudeste, por causa das condições históricas”, explica Édison Carlos. “Na região Norte, por exemplo, só 10% das pessoas têm coleta de esgoto.”

A partir do cruzamento de dados, o estudo traçou as relações entre saneamento básico e os seguintes tópicos:

  • renda – quem não tem acesso à água e esgoto ganha menos.
  • saúde pública – falta de saneamento provoca gastos com internações
  • emprego – obras de infraestrutura geram postos de trabalho.

Os números do Brasil com relação ao saneamento básico são:

  • 35 milhões de brasileiros sem acesso à rede de água potável;
  • 95 milhões de brasileiros sem coleta de esgotos;
  • e 46% dos esgotos são tratados.

Como signatário dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), o país tem prazo até 2030 para oferecer água e esgoto a todos os moradores.

“Um estudo recente diz que, se continuar investindo como investiu nos últimos dez anos, estamos mais para 2060 do que para 2030”, diz Édison Carlos, presidente do Trata Brasil. “E também estamos longe da meta do Plano Nacional de Saneamento Básico, que prevê a universalização de serviços de água e esgotos até 2033.”

De acordo com o levantamento do Trata Brasil, para cumprir este último objetivo é necessário investir ainda R$ 357 bilhões – uma média anual de R$ 24 bilhões. Ocorre que, entre 2010 e 2017, os valores variaram de R$ 10,7 bilhões a R$ 14,9 bilhões.

“É o que costumo falar: exportamos aviões e tecnologia agrícola, mas não conseguimos levar água às pessoas e coletar esgoto”, compara Édison Carlos. “O investimento em saneamento é muito baixo, proporcionalmente. Em energia elétrica, que já está universalizada, eles investem R$ 50 bilhões por ano.”

Em média, quem mora em área com abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto ganha salário 85% maior do que quem mora em regiões sem acesso a esses serviços, aponta o Instituto Trata Brasil.

“Esta distinção salarial se dá sobretudo nas áreas mais precárias, em que o cidadão convive muito próximo aos esgotos, além de outros problemas socioeconômicos”, cita o estudo.

Édison Carlos explica: “Quando a pessoa morou e mora numa área sem saneamento, a tendência é que ela se desenvolva menos, tanto na escola quanto na formação profissional. Ela tende a faltar mais à escola, faltar mais ao trabalho… Tem impacto na formação profissional”.

De acordo com ele, aumenta neste caso a chance de ter um emprego de menor qualificação e com menor salário.

“O salário é consequência de uma vida toda com uma condição sanitária ruim. A pessoa não ganha menos só porque mora ali. Ganha menos porque foi submetida, ao longo da vida, a condições de saneamento ruins, o que faz com que ela tenha mais doenças.”

Doenças como diarreias, verminoses, hepatite A, leptospirose e esquistossomose, dentre outras, estão entre as mais comuns que afetam moradores de áreas sem saneamento ou com serviço precário de água e esgoto.

O Instituto Trata Brasil cita que, apenas com essas enfermidades, o Brasil gastou R$ 1,1 bilhão com internações entre 2010 e 2017 – isso dá uma média anual de R$ 140 milhões.

“A falta de saneamento é sempre impactante na saúde, porque são essas doenças de veiculação hídrica que representam gastos para as prefeituras”, diz Édison Carlos.

“Muitas vezes, o prefeito não quer investir em saneamento porque acha que é uma obra pouco atrativa, que quebra a cidade, e então ele não consegue vender aquilo eleitoralmente. Só que, por outro lado, a cidade gasta muito na saúde. O prefeito não percebe que muito desse gasto de saúde poderia ser coberto pelo investimento em saneamento.”

O presidente do Trata Brasil observa, ainda, que não entram nessa conta doenças do mosquito Aedes aegypti, como dengue, chikungunya e zika. “Enquanto não resolvermos o problema do saneamento, não resolveremos os problemas de doenças transmitidas por inseto, de forma geral, como febre amarela também.”

O estudo defende que o investimento em saneamento básico cria empregos não apenas pela necessidade de mão de obra para as construções. O operação posterior do sistema também asseguraria mais postos de trabalho.

“Ao selecionar as principais regiões metropolitanas no Painel, fica evidente que os investimentos em saneamento básico, no período de 2010 a 2017, mesmo baixos, já foram suficientes para gerar milhares de empregos”, diz o levantamento.

Nesse período, contando o Brasil todo, foram gerados 216,5 mil empregos.

O painel

O Painel Saneamento Brasil traz indicadores de cidades com mais de 50 mil habitantes.

Inicialmente, estão contemplados os 200 maiores municípios do Brasil – juntos, eles têm 104 milhões de brasileiros (ou 50% da população do país). A meta é chegar, até 2020, a 839 cidades, nas quais vivem 145,4 milhões de habitantes (ou 70% da população do país).

“Queremos que o cidadão comum tenha acesso, saiba a realidade do município dele. A ideia é facilitar a vida de quem quer ir atrás. A partir do momento em que ele tem a informação, facilita cobrar localmente”, defende o presidente do Trata Brasil.

“Saneamento é direito, às vezes as pessoas esquecem. O cidadão não está lutando por tecnologia 8G no celular, mas por um direito.”