Por Taís Hirata – Valor Eonômico
21/06/2019 – 05:00

Apesar da euforia do mercado em relação à Sabesp, o governo paulista ainda terá que vencer muitos entraves para desestatizar a companhia de água e esgoto – seja por meio de capitalização ou venda do controle.

Desde que a gestão de João Doria (PSDB) anunciou a intenção de privatizar a empresa, as ações dispararam -a alta acumulada é de cerca de 50% no ano. A opção, favorita entre os analistas de mercado, “esfriou” desde
que a Medida Provisória 868 caducou, no início de junho. O texto alterava o marco legal do saneamento e favorecia o avanço das companhias privadas.

No entanto, a opção não está descartada, segundo o governo. A equipe ainda aguardará o desenrolar de um projeto de lei, já aprovado pelo Senado, que, tal como a MP, altera o marco regulatório e viabiliza a privatização de estatais.

A expectativa é que a negociação sobre o texto ainda seja longa no Congresso, mas fontes do governo dizem que a equipe não vai esperar “por anos”. Caso a tramitação seja congelada, o grupo vai definir uma data-limite para decidir a modelagem da desestatização.

Mesmo que o novo marco legal seja aprovado, analistas de mercado, advogados e executivos de empresas do setor apontam ao menos três outros grandes desafios para a privatização.

O primeiro deles é o aval da Assembleia Legislativa. O governo paulista avalia que será necessário aprovar uma lei ordinária. Advogados, porém, questionam se não seria preciso alterar a Constituição do Estado, o que seria muito mais complexo. Emendas do gênero exigem votação em dois turnos e aprovação de três quintos dos parlamentares.

O problema estaria em um artigo da Constituição que dá margem à interpretação de que o serviço de saneamento deve ser prestado por uma estatal – o que pode gerar contestação judicial.

Outra dificuldade para a venda será a aprovação, com cada prefeitura, da transferência do serviço para o novo controlador. A Sabesp atende cerca de 370 cidades.

O novo marco em tramitação dá o prazo de 180 dias para que cada município aprove uma lei permitindo a manutenção dos contratos no caso de privatização. Em caso negativo, a prefeitura tem de ressarcir previamente os investimentos não amortizados. Apesar de o texto ser claro, a expectativa é que, na prática, o processo não seja tão simples e que haja insegurança em parte dos contratos, que serão analisados e negociados um a um.

Um terceiro desafio será a própria estruturação do edital, pelo porte da companhia e pela complexidade da operação. “A etapa de diligências, estudos econômicos-financeiros e avaliação dos passivos será trabalhosa. Havendo disposição política, o processo deverá demorar ao menos 24 meses”, avalia Gustavo Magalhães, sócio do Fialho Salles.

Alguns analistas questionam se os operadores privados que atuam no Brasil teriam fôlego para uma operação desse porte e avaliam que o empreendimento atrairia grupos internacionais – chineses ou fundos do Oriente Médio. Há também apostas em um consórcio de empresas privadas operadas por fundos estrangeiros, como Aegea, Iguá e BRK.

A opção pela capitalização da Sabesp – “plano B” da gestão Doria – é vista como mais simples. A lei que autoriza o projeto já foi aprovada em 2017, pelo governo de Geraldo Alckmin, e os estudos estão mais avançados.

Ainda assim, analistas do setor não descartam a possibilidade de questionamentos. Alguns grupos privados que atuam no país se dizem incomodados com a possibilidade de a Sabesp se capitalizar e querer ampliar sua atuação, inclusive para outros segmentos ou Estados. O argumento é que seria injusto a empresa, de capital misto, usufruir dos mesmos benefícios das concessionárias públicas para firmar contratos de programa.