Por Sergio Adeodato – Valor Econômico

28/03/2019 – 05:00

O tambaqui é um dos peixes mais consumidos na Amazônia. Migratório, chega ao porte de 1 metro e 30 quilos, com dieta basicamente de insetos aquáticos e frutos, cujas sementes são carregadas a distâncias consideráveis, na função de manter a floresta viva. Além da pesca, trata-se da espécie nativa brasileira de maior produção em cativeiro, movimentando R$ 600 milhões ao ano, segundo o IBGE. “Mas o aquecimento global, associado ao desmatamento e outros fatores, coloca essa fonte de renda e segurança alimentar em sério risco”, diz Adalberto Val, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM).

Ao reproduzir o ambiente de maior temperatura com base nas projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o pesquisador constatou que 40% dos tambaquis desenvolveram deformações biológicas fatais. “O mesmo poderá acontecer com outros peixes da região, pois a tolerância em águas mais quentes e ácidas está chegando a níveis críticos”, adverte. Ele pede senso de urgência para estancar as causas, inclusive a poluição por esgoto e lixões nas cidades amazônicas em crescimento: “Educação, ciência e tecnologia são caminhos estratégicos para proteger recursos naturais e garantir qualidade de vida”.

O problema dos tambaquis retrata a realidade de uma região que representa 60% do território brasileiro, 8% do PIB e parte expressiva das emissões brasileiras de gases do efeito estufa – convivendo, ainda, com os piores índices nacionais de desenvolvimento humano. A complexidade do cenário ocupou o centro do debate no seminário preparatório para o Sínodo da Amazônia, a ser realizado em outubro pelo Vaticano, reunindo 250 bispos. O propósito é sensibilizar o mundo quanto ao papel da região para o futuro da vida no planeta e mobilizar pressão contra o desmatamento e o desrespeito a populações indígenas.

“A floresta – não apenas a brasileira, como a dos oito países vizinhos – é vital para a humanidade e nunca esteve tão ameaçada”, afirmou Dom Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica, durante o encontro realizado neste mês, em Manaus, para reunir contribuições de diferentes setores ao Sínodo, no contexto do desenvolvimento sustentável. “Diante da crise climática, não há tempo para adiar a busca de novos caminhos por meio do diálogo”, disse o cardeal, para quem a incursão na temática ambiental representa “um momento forte do pontificado do papa Francisco”.

Na visão de Marcelo Sanchez-Sorondo, chanceler da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, presente ao seminário, “a sociedade civil deve se mobilizar para os governos fazerem a lição de casa, pensando no bem comum como imperativo moral”. A base do apelo, segundo ele, está na ideia de “ecologia integrada” que marca a Encíclica Laudato Si, lançada em 2015, no contexto do acordo climático de Paris, com a chamada à unificação global no combate à degradação ambiental.

Para o chanceler, na Floresta Amazônica, as condições sociais precárias reforçam a gravidade do problema. “Precisamos de desenvolvimento – e não de subsistência – sustentável”, disse o general César Augusto Nardi de Souza, comandante militar da Amazônia. Em sua análise, capilaridade e identificação com a realidade local são essenciais ao desafio, que também abrange educação, saúde e saneamento. “O objetivo é preservar os legados que todos recebemos de uma região que possui 66% do território legalmente protegido”.

Ao ocupar 30,6% da área terrestre do planeta, as florestas garantem diretamente o sustento mais de 1 bilhão de habitantes, em especial os mais pobres, além prover recursos ao desenvolvimento econômico. Entre 2010 e 2015, a extensão global de floresta diminuiu 3,3 milhões de hectares, com queda no ritmo de destruição, segundo a ONU. Na Amazônia, o desmatamento cresceu 13,7% em 2018, pelos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Entre conservar a floresta ou desenvolver a economia para reduzir a pobreza, devemos ficar com os dois”, disse Virgilio Viana, superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável. A soluções passam pelo combate à grilagem de terras e expansão da bioeconomia, no sentido de promover renda via atividades produtivas que não degradam. “Precisamos de mais eficiência no uso dos recursos naturais e não de afrouxamento das regras ambientais”.

Para Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas, a chave é quebrar a resistência da economia em dialogar com o social e o ambiental. “No final, quem paga a conta é a sociedade.