Valor Econômico
15/06/2021

Por Taís Hirata

Projetos são menores, mas têm atraído forte interesse e concorrência de grupos entrantes

Para além dos grandes leilões estaduais de saneamento, o mercado de água e esgoto tem dezenas de projetos municipais em curso. Ao todo, são 51 licitações do gênero, em diferentes estágios de desenvolvimento, segundo dados da Radar PPP, levantados a pedido do Valor. Como muitos ainda estão em estudos iniciais, é difícil calcular o potencial total de investimentos. Porém, uma análise de nove desses projetos aponta a previsão de, ao menos, R$ 3,64 bilhões em obras.

O maior deles é a concessão de Porto Alegre (RS). A modelagem inicial, feita pelo BNDES, projeta R$ 2,17 bilhões de investimentos na rede de esgoto da capital gaúcha. Porém, o valor ainda pode subir, caso o escopo do contrato passe a abarcar os serviços de água – uma possibilidade ainda em discussão, segundo um técnico do Ministério de Economia.

Os demais projetos municipais mapeados são bem menores. A média de investimentos para a categoria é de R$ 97 milhões por iniciativa, segundo a Radar PPP. Ainda assim, são iniciativas relevantes e que têm atraído concorrência forte e variada.

Um exemplo é a concessão de água e esgoto em Orlândia, uma cidade de 44 mil habitantes no interior paulista. O contrato, que prevê investimento de R$ 93 milhões, será disputado por nada menos que 17 consórcios – houve ainda outros dois grupos que entregaram proposta, mas não foram habilitados.

Os interessados vão desde a Sabesp, maior grupo do setor no país, e a Iguá, que recentemente conquistou um contrato bilionário no Rio de Janeiro, até consórcios de empresas locais de engenharia. A licitação está em fase final: as propostas já foram recebidas, e estão sendo analisados os recursos da fase de habilitação.

Se depender do governo federal, leilões como esses serão mais raros no futuro. A nova lei do saneamento básico traz diversos estímulos aos contratos regionais e faz uma pressão grande contra projetos de municípios isolados – que não poderão receber nenhum tipo de recurso da União, incluindo financiamento e apoio técnico do BNDES ou da Caixa.

A restrição, porém, não se aplica a processos iniciados antes da lei. É o caso da concessão de Crato (CE), que está sendo estruturada com apoio da Caixa e do Programa de Participações de Investimentos (PPI). O projeto, em consulta pública, prevê investimento de R$ 192 milhões. O edital deverá sair em agosto, para que o leilão seja realizado em novembro.

A prefeitura até chegou a iniciar tratativas com cidades do entorno para um contrato regional. Porém, acabou decidindo seguir sozinho, explica Brito Júnior, porta-voz do projeto. “A capacidade econômico-financeira dos municípios vizinhos poderia atrasar o processo”, explicou.

A mesma decisão foi tomada pela cidade de Teresópolis (RJ). A prefeitura foi convidada para integrar um bloco regional, mas optou por seguir com um plano antigo de concessão municipal. O edital deverá ser lançado na segunda quinzena de julho, afirma o prefeito, Vinicius Claussen. “Avaliamos que nosso projeto usa uma técnica melhor, trará uma tarifa mais baixa e deverá gerar uma outorga maior à cidade [do que uma concessão estadual].

Embora os grandes operadores estejam estudando muitos desses projetos, a expectativa é que seja aberto um espaço para atores de porte menor, segundo Frederico Ribeiro, sócio da Radar PPP. “Os grupos maiores tendem a olhar leilões menores apenas quando há sinergias ou intenção de fazer outros investimentos na região.”

Trata-se de uma porta de entrada para quem quer “criar musculatura” no setor e aproveitar a onda de leilões dos próximos anos, avalia Percy Soares Neto, diretor-executivo da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto).

“Há muitos grupos ávidos por projetos. Contratos menores são uma oportunidade de entrada. É importante que sejam editais bem modelados, e que a regulação seja forte, para não haver risco de entrarem aventureiros. Mas há muitas empresas sérias interessada nesses projetos” , diz.

Hoje, grande parte das concessões vigentes são municipais. A onda de projetos regionais já começou e deve se intensificar nos próximos anos, a partir dos incentivos federais. Porém, analistas acreditam que, mesmo com as restrições da lei, os leilões de cidades isoladas persistirão – e, talvez, dificultarão a formação de blocos “filé com osso”, com subsídio cruzado, em algumas regiões.

“Há muitas cidades de médio porte, algumas com mais de 100 mil habitantes, que têm lançado projetos sozinhos, possivelmente porque se viabilizam apenas com os recursos da tarifa”, diz Ribeiro.

O advogado Gustavo Magalhães, sócio do Fialho Salles, destaca que o município só é obrigado a integrar um bloco regional caso faça parte de uma região metropolitana ou microrregião na qual há compartilhamento de infraestrutura. “Nos demais casos, a adesão segue facultativa, não há impedimento jurídico para uma licitação isolada”, afirma.

Já em relação à restrição de financiamento federal, Camilo Fraga, sócio da consultoria Houer, avalia que se trata de um entrave superável, devido ao maior acesso a mercado de capitais. “Há dez anos, ninguém fazia nada sem o BNDES. Hoje, já vemos projetos de infraestrutura se financiando com o próprio fluxo de caixa. É papel da União desincentivar, mas acredito que vários municípios terão capacidade para fazer projetos isolados”, afirma.