Valor Econômico
05/08/2021

Por Lu Aiko Otta

Novos critérios para cálculo da Capacidade de Pagamento (Capag) vão exigir a intensificação do ajuste fiscal e auditoria dos dados

O governo federal pretende subir a régua que determina se deve ou não entrar como avalista em operações de crédito contratadas por Estados e municípios. Novos critérios para o cálculo da Capacidade de Pagamento (Capag) dos entes subnacionais, que entraram ontem em audiência pública, vão exigir a intensificação do ajuste fiscal e a auditoria dos dados, informou ao Valor a subsecretária de Relações Financeiras Intergovernamentais do Tesouro Nacional, Pricilla Santana.

Pelos critérios atuais, um Estado ou município cuja relação entre despesas correntes e receitas correntes seja de até 90% é considerado um “espetáculo de solvência” e recebe Capag A. A proposta do Tesouro é que essa relação seja baixada para 85%. “Eu vou exigir mais esforço fiscal”, disse Pricilla. “Cortar mais despesa, ou aumentar o denominador.”

Para a Capag B, atribuída hoje aos entes cuja relação entre despesas correntes e receitas correntes está entre 90% e 95%, a proposta é reduzir para 85% a 95% ou para 85% a 90%. São duas propostas sobre a mesa.

A Capag C, que impede o ente de receber aval da União, é dada atualmente àqueles com relação maior do que 95%. A proposta é manter esse nível ou reduzi-lo para 90%.

O parâmetro de 85% coincide com o que passou a figurar na Constituição em março deste ano, com a aprovação da PEC Emergencial, explicou a secretária. “Estamos uniformizando o conceito de alerta fiscal.

A Constituição prevê, em seu artigo 137-A, uma série de gatilhos que podem ser acionados para conter o crescimento das despesas. “Por que deixar o Estado ou município entrar em situação difícil, de quase descontrole fiscal, se é possível tomar medidas ex-ante?”, questionou. Se um ente tem a relação entre despesa corrente e receita corrente maior do que 85%, está numa “situação quase periclitante”, afirmou.

Entre os gatilhos para corte de gastos previstos na Constituição, está por exemplo a suspensão de concessão de reajustes salariais, a proibição de criar cargos ou contratar. Outra alteração proposta pelo Tesouro Nacional é exigir que as contas apresentadas por Estados e municípios sejam validadas pelos tribunais de conta locais ou mesmo por uma auditoria privada. Segundo Pricilla, há casos em que o Tesouro, ao analisar as contas de um ente subnacional, aponta para falhas. Que são corrigidas “como num passe de mágica”.

Para o analista do Senado e especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, o aperto nos critérios da Capag deixará praticamente todo o país fora do critério A. Entre os Estados, apenas Roraima, Amapá e Espírito Santo teriam nota máxima. Entre as capitais, apenas Palmas.

“Do ponto de vista estritamente fiscal, a medida pode ser positiva”, avaliou. “Os Estados estão apresentando resultados fiscais positivos e a mudança pode forçar uma política fiscal mais conservadora no tocante a gastos correntes.”

Por outro lado, aponta, a medida pode dificultar o investimento público subnacional, que corresponde a mais de 70% do total do país.

De 2016 até junho deste ano, a União gastou R$ 37,5 bilhões para pagar prestações de dívidas de Estados e municípios em que entrou como avalista. Só neste ano, foram R$ 4,5 bilhões, apontam dados do Tesouro Nacional.

Estados e municípios poderão opinar sobre os novos critérios propostos pelo governo federal. Ao final do processo de audiência pública, será editada uma nova portaria regulando o cálculo da Capag.