Valor Econômico
17/12/2019

Por Richard Henderson, Colby Smith e Jennifer Ablan

Consultoria mostra que dinheiro foi levado a fundos de renda fixa por 49 semanas consecutivas

Os investidores colocaram dinheiro em fundos de renda fixa a um ritmo recorde este ano, alimentando uma recuperação explosiva do mercado de bônus que surpreendeu operadores veteranos e levou os custos de empréstimos para os níveis mais baixos já registrados. Os dados mais recentes da EPFR Global, que monitora fluxos de entrada e saída de fundos mútuos e de fundos negociados em bolsa em todo o mundo, mostram que dinheiro foi levado a fundos de renda fixa por 49 semanas consecutivas.

Esse período adicionou aos fundos de bônus US$ 468 bilhões em novos ativos, a maior aquisição ininterrupta registrada desde 2001 – que ofusca os US$ 275 bilhões em 54 semanas até dezembro de 2012 e os US$ 250 bilhões em 60 semanas encerradas em maio de 2010. Agora os ativos em fundos de bônus somam US$ 5,8 trilhões, um salto dos US$ 4,9 trilhões do início do ano, o que reflete aumentos acentuados nos preços junto com entradas líquidas.

Os bancos centrais de todo o mundo estimularam a recuperação com o relaxamento da política monetária, mas as compras de fundos continuam constantes desde outubro, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) informou que tinha encerrado sua série recente de cortes nas taxas de juro.

“Foi um ano surpreendentemente extraordinário para os mercados de renda fixa”, disse Bob Michele, chefe global de renda fixa do J.P. Morgan Asset Management. O relaxamento monetário “impressionante” levou os investidores “a uma corrida para colocar dinheiro em renda fixa antes que as taxas caíssem ainda mais”, acrescentou ele.

Jeffrey Gundlach, executivo-chefe da gestora de fundos de bônus DoubleLine Capital, disse que essa é a resposta dos investidores a uma “grande mudança” de um Federal Reserve que parece não ter mais medo da inflação. O presidente do Fed, Jerome Powell, sinalizou que os preços ao consumidor teriam que subir significativamente e continuar altos para que ele voltasse a aumentar as taxas.

“É quase poético que Paul Volcker tenha morrido [na semana passada]”, disse Gundlach ao “Financial Times”, referindo-se ao ex-presidente do Fed que venceu a inflação dos anos 1970 com aumento nas taxas de juros.

O receio de uma desaceleração da economia mundial levou os bancos centrais de todo o mundo a reduzir as taxas 66 vezes este ano, segundo dados do J.P. Morgan.

A demanda por bônus rebaixou as taxas de retorno no Bloomberg Barclays Multiverse – uma das medidas mais amplas do mercado de bônus, que acompanha US$ 59 trilhões em ativos – para 1,4% em setembro, seu nível histórico mais baixo, atingido pela última vez há três anos. Os investidores no Multiverse obtiveram taxas de retorno de 6,4% até agora neste ano, no que pode se tornar o segundo melhor resultado anual em uma década.

Scott Mather, diretor de investimentos das principais estratégias americanas da Pimco, a gestora de fundos de bônus de US$ 1,9 trilhão, disse que 2019 foi “um ano único”, porque os mercados de bônus se saíram bem de ponta a ponta – das dívidas de governos dos mercados desenvolvidos até as dos emergentes, e dos bônus corporativos mais seguros aos mais arriscados.

A diferença em termos de taxa de retorno entre os bônus de grau especulativo dos EUA e os da dívida pública livre de risco se estreitou em 1,6 ponto porcentual, para 3,7% desde o início do ano, de acordo com um indicador ICE Bank of America Merrill Lynch, o que aponta um forte interesse até mesmo em títulos de risco.

A compra de bônus também aumentou o volume de dívidas com taxa de retorno negativa em todo o mundo para um recorde de US$ 17 trilhões em agosto. O total ficou em US$ 11,5 trilhões no fim da semana passada.

Os tomadores de crédito aproveitaram a demanda dos investidores para levantar dinheiro em condições progressivamente melhores. De acordo com o S&P Global Ratings, a emissão global de bônus somou US$ 5,9 trilhões neste ano até outubro, 13,5% mais alta que no mesmo período do ano passado.

A recuperação também pôs em questão o papel tradicional dos bônus em uma carteira de investimentos, ao lado das equities. Normalmente, investidores compram bônus para ter taxas de retorno estáveis e equities pela valorização de preços. Mas os preços dos bônus têm disparado como os das ações, o que leva os investidores que buscam fluxos consistentes de receita a considerar ações com dividendos aparentemente sólidos.