Texto que está na pauta prevê que empresas estaduais do setor disputem licitação com iniciativa privada

Daniel Carvalho – Folha de São Paulo

21.mai.2019 às 2h00

Governadores de 23 estados e do Distrito Federal pressionam suas bancadas no Congresso para tentarem reverter o relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre a MP (medida provisória) que estabelece um novo marco regulatório para o setor de saneamento básico.

O projeto de lei de conversão da MP 868, aprovado em uma comissão mista de deputados e senadores, acaba com os chamados contratos de programa, instrumento por meio do qual municípios contratam empresas estaduais para promover serviços de saneamento.

Estes contratos vigoram até sua data de expiração. Depois disso, só será possível fazer contratos de concessão e o município terá de abrir uma licitação, da qual poderão participar tanto as empresas públicas como as privadas.

Representantes das companhias estaduais de saneamento circulam pelo Congresso para tentar reverter a situação.

Alegam que estas empresas atendem mais de 120 milhões de pessoas (76% dos que têm acesso aos serviços) e que estão presentes em mais de 4.000 dos 5.570 municípios.

“O texto aprovado pela comissão mista ignora a principal condição indisponível do titular dos serviços, que é o poder de definir a forma como ele será prestado, uma vez que impõe modelo único de prestação dos serviços e impede a prerrogativa que os estados e municípios têm de celebrar contratos de programa, obrigando a privatização dos serviços”, diz um trecho da carta.

Apenas os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul não assinaram o documento.

As administrações destes estados já demonstraram intenção de privatizar suas companhias de saneamento.

Um secretário do governador João Doria (PSDB-SP) disse que o estado não assinou a carta por ser favorável à maior competição, o que traria mais investimento.

Deputados dizem que, por causa do interesse de privatizar a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), interlocutores de Doria têm pressionado o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a votar a MP mantendo o trecho.

Presidente da Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento) e da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento), que representa o setor, Roberto Tavares afirma que a concorrência é desigual porque as empresas privadas terão interesse apenas nos blocos de municípios mais lucrativos.

“Isso termina tendo como consequência aumento de tarifa porque, para se prestar um serviço onde a rentabilidade é muito baixa e ainda ter de fazer investimentos, provavelmente vai haver um impacto tarifário nas cidades que são menos rentáveis, nas cidades mais pobres, mais distantes, com mais dificuldades” afirma Tavares.

Ele argumenta que, no modelo atual, já é possível a participação de empresas por meio de PPPs (parcerias público-privadas).

Tavares afirma que, em seu estado, 15 municípios da região metropolitana do Recife são atendidos por este tipo de convênio. O governo entra com investimentos e a iniciativa privada com a operação, responsabilizando-se pela maior parte das obras.

O assunto está sendo discutido entre parlamentares.

“Essa medida provisória requereria investigação para saber a quem interessa quebrar empresa pública estadual que é boa prestadora de serviço”, afirma o deputado Afonso Florence (PT-BA).

“Tem de haver competição. As empresas estatais, se são tão boas quanto dizem, têm de ter condição de competir com as empresas privadas nos estados”, diz o deputado Marcel Van Hattem (RS), líder do Novo, partido que tem a abertura de mercado como uma de suas principais bandeiras.

 Pelo lado das empresas privadas, a ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) diz que o parecer da MP reforça os conceitos de competição e isonomia entre empresas públicas e privadas.

“Agora, o Congresso Nacional tem de assumir suas responsabilidades e responder a altura dos desafios no saneamento, com coragem para enfrentar devaneios corporativos ruidosos que ignoram o bem-estar de 100 milhões de brasileiros sem acesso a coleta de esgoto”, afirma a associação em nota.

Relator da MP, Jereissati diz que o objetivo da proposta é trazer o investimento privado para, junto do investimento público, “para alcançar metas minimamente consideradas civilizadas” em relação ao saneamento.

Tasso argumenta que os pequenos centros urbanos hoje não têm esgotamento sanitário por falta de investimento das estatais. “Se você não mexe no modelo, continua como está —nesta situação vergonhosa.”

A pressão dos governadores tem gerado ao menos reflexão de alguns deputados. “Se é um pleito de 24 governadores, claro que a Câmara tem de olhar com atenção para esta questão”, diz o líder do MDB na Casa, Baleia Rossi (SP).

A MP perde validade no dia 3 de junho.