Por Rodrigo Carro e Juliana Schincariol – Valor Econômico

09/01/2019 – 05:00

O cronograma e o valor das devoluções ao Tesouro Nacional pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vão depender do ritmo de retomada da economia brasileira e do balanço da instituição, informou ontem o novo presidente do banco de fomento, Joaquim Levy. Em discurso na cerimônia de transferência de cargo, na sede do banco, Levy reiterou que o BNDES irá concentrar seus esforços cada vez mais nas médias empresas, em colaboração com o setor privado. O executivo disse ainda que será necessário “repensar” o balanço da instituição tanto em termos de transparência corporativa como do uso de seus ativos.

Numa entrevista coletiva após a cerimônia, Levy esclareceu que será feito em primeiro lugar um levantamento para definir metas do BNDES, com parte da proposta de revisão do balanço. “Essencialmente temos que ver quanto cada tipo de ativo ocupa de espaço de capital e se há uma maneira mais eficiente de usar o capital do banco. Cada vez mais o capital vai ser o fator-chave do banco na medida em que o nosso modelo não será de ter um funding significativamente mais barato”, afirmou ontem o presidente do BNDES e ex-diretor-geral do Banco Mundial.

Ao ser perguntado sobre a devolução de recursos ao Tesouro Nacional, que poderia chegar a R$ 100 bilhões, Levy lembrou que, na primeira vez em que o banco começou a discutir o assunto, foi levada em conta a disponibilidade do BNDES e o perfil de amortização dos empréstimos feitos com recursos do Tesouro.

“O caso do PSI [Programa de Sustentação de Investimento] é bastante exemplar. A primeira devolução foi por conta de recursos do PSI que não haviam sido desembolsados, de R$ 30 bilhões. E, depois disso, o estoque do PSI vem diminuindo.

Hoje são só R$ 60 bilhões.” Na avaliação do economista, ministro da Fazenda no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT), “à medida que esses espaços se abrem”, vai crescendo o espaço para a devolução.

Na BNDESPar, sociedade de participações do BNDES, os desinvestimentos vão levar em conta o preço e o impacto no mercado, adiantou Levy. “Acredito que o momento é bom. Temos visto a bolsa evoluindo bem. Acho que à medida que o governo for entregando algumas das reformas, a começar pela da Previdência, o apetite do investidor internacional, além do nacional, vai se desenvolver e, com isso, também nos facilita rearrumar o nosso balanço”, disse.

Sobre as declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que mais de uma vez frisou a necessidade de “abrir a caixa-preta” do BNDES, Levy argumentou que os registros de operações mantidos pelo banco podem servir de base para o aperfeiçoamento das regras de governança. “A caixa é preta enquanto não se decripta o que está lá dentro”, respondeu o novo presidente do banco. “O sentido de caixa-preta é abrir depois de um acidente para saber o que aconteceu. Há registros para descobrir o que aconteceu e para que sirvam de base para continuar desenvolvendo boas regras de governança.”

Na opinião dele, a transparência é uma virtude já enraizada na instituição de fomento, mas que será cada vez mais importante. “Uma transparência em relação ao futuro, em relação ao passado, porque é isso que vai permitir à gente construir um banco para os nossos dias”, acrescentou.

O presidente do BNDES disse ainda que o banco de fomento oferecerá apoio técnico dentro dos processos de privatização de empresas federais ou estaduais. Mas a decisão de realizá-las ou não são dos governos e cabe ao BNDES apoiá-las como clientes, ressaltou Levy. “Cada caso pode ser um caso, é uma decisão entre os governos federal e estadual. Estamos dispostos a ajudar no que for necessário. Para muitos Estados, a desestatização pode ajudar a não só gerar valor imediato, mas reduzir perdas e ineficiências que se arrastam por muito anos”, disse, ao ser questionado sobre a situação dos Estados.

Sem citar diretamente a Cedae, empresa de água e esgoto do Estado do Rio, Levy disse que há muito espaço para privatizações, incluindo o setor de saneamento. Presente mais cedo na cerimônia realizada na sede do BNDES, o governador fluminense, Wilson Witzel (PSC), voltou a se manifestar contra a privatização da companhia. “A Cedae é uma empresa que pode ser melhorada”, justificou o governador. A empresa de saneamento teve parte de suas ações (até um limite de 50% do capital) dada em garantia a um empréstimo de R$ 2,9 bilhões concedido pelo banco BNP Paribas ao governo fluminense.

“[O Rio de Janeiro] é um caso a ser estudado. É uma decisão do Estado, eventualmente do governo federal, dependendo do acordo. Somos prestadores de serviço e não determinamos as políticas. Temos que apoiar o cliente e fazer para ter o melhor possível como resultado”, afirmou Levy.

Para o novo presidente do BNDES, em alguns casos no setor de infraestrutura é possível substituir uma empresa do Estado por uma concessionária, citando experiências já bem-sucedidas no Brasil, caso da distribuidora de energia Cemar, do Maranhão. “A experiência no Brasil é boa, mas depende de se criar um ambiente para a empresa privada ser bem regulada, ser supervisionada e, quando necessário, ser substituída.”

Na opinião do presidente do BNDES, diante dos desafios fiscais de muitos Estados, o processo de desestatização “pode ser muito valioso”. Ele citou que inclusive Estados com recursos e bem administrados como São Paulo têm seguido esse modelo, com sucesso. Questionado especificamente sobre a Eletrobras, reiterou que a privatização da empresa continua no radar do governo e que o banco estatal apoiará as políticas que forem definidas com relação à holding do setor elétrico.