Valor Econômico
27/12/2019

O cenário para a Previdência e os fundos de pensão precisará passar por uma grande revisão

A reforma da Previdência aprovada pelo Brasil neste ano ajuda a endereçar – pelo menos nos próximos anos – um dos grandes problemas estruturais do país.

Nas últimas décadas, encaminhamos nossa dificuldade de balanço de pagamentos com um câmbio flutuante e reservas internacionais saudáveis. Resolvemos nossa taxa inflacionária com o Plano Real e o sistema de meta de inflação. Agora, caminhamos em direção a contas fiscais mais balanceadas, com a aprovação da Previdência e um governo mais austero.

O debate da reforma da Previdência acontece em um momento muito oportuno no cenário internacional.

O mundo passa por uma transformação, com um parecer cada vez mais estrutural, em que uma série de paradigmas estão sendo quebrados: 1) muitos países desenvolvidos apresentam juros baixos, ou negativos, já por vários anos. As curvas de juros futuras apontam para a manutenção deste ambiente no horizonte relevante de tempo; 2) uma política monetária expansionista colocou os preços dos ativos de risco (bolsa, crédito e afins) em níveis historicamente elevados e em “valuations” que irão reduzir substancialmente seus ganhos futuros; 3) o potencial de crescimento das economias desenvolvidas parece ter caído nos últimos anos. Isso coloca perspectivas desafiadoras para o crescimento global; e 4) isso tudo acontece em um momento de envelhecimento de grande parte da população mundial. A demografia atua na direção de reduzir o potencial de crescimento e aumentar a demanda por liquidez para a aposentadoria.

“Dados os riscos de liquidez mais altos, os fundos de pensão provavelmente terão de reservar mais de seus ativos líquidos para cobrir possíveis saídas de dinheiro durante e após períodos de estresse, especialmente se o financiamento de mercado se tornar mais caro”, diz o FMI, em seu Relatório Global de Estabilidade Financeira.

Finalmente, grande parte dos planos de pensão não foram desenhados para um ambiente desafiador como este descrito acima. Suas metas de retorno costumam ser elevadas. Promessas de pagamentos futuros, feitas em um passado longínquo, dificilmente poderão ser cumpridas. Pequenas variações nos preços dos ativos de risco, como as dos mercados de ações e dívida, terão impactos substanciais nos retornos deste estoque de riqueza.

Esses são apenas alguns poucos desafios enfrentados nas economias desenvolvidas para o cenário de previdência e aposentadoria. Este pano de fundo traz algumas lições para o Brasil. Por ora, ainda estamos distantes de grande parte desses obstáculos, mas certamente teremos de enfrentá-los em algum momento do futuro.

O Brasil ainda aparenta ter um potencial de crescimento substancial se comparado ao resto do mundo; nossa economia envelhece, mas partindo de uma base ainda jovem; nossas taxas de juros são cadentes, porém ainda apresentam algum retorno real em prazos mais longos; nossos mercados apresentam potencial relevante de apreciação, caso a economia siga na direção correta.

Aqui, ainda temos opções interessantes de investimentos, cujo potencial de retorno parece atrativo como na bolsa, em venture capital, em crédito “high yield” e em private equity. Contudo, assim como em qualquer investimento, quem começar o processo de diversificação e alocação mais cedo irá ter condições de se apropriar dos maiores retornos. Em prazos mais longos, estes ativos irão se ajustar.

Isso não quer dizer que podemos relaxar e deixar o tempo passar. Nunca foi tão importante para o investidor e o poupador no Brasil se preocupar com seus investimentos e sua aposentadoria.

Com o endereçamento dos problemas estruturais da economia, migramos para um ambiente de inflação mais baixa e também de juros mais baixos. Isso ajuda a economia a crescer e, consequentemente, ajuda na apreciação dos ativos locais. Obviamente, todo este movimento terá uma restrição na medida em que os preços cheguem em seu equilíbrio.

O “rentismo” no Brasil era um fenômeno em que o poupador conseguia viver de renda, apenas aplicando em títulos de renda fixa emitidos pelo governo brasileiro, cujo risco era considerado baixo e o retorno, até o passado recente, substancial. Esta forma de rentismo, no Brasil, ficou para trás. O investidor ou o poupador agora precisará abrir mão de algumas premissas em busca de retornos mais altos. Retornos altos, sem volatilidade e com liquidez diária são ativos em extinção no país. Agora, para o mesmo nível de retorno, precisaremos nos acostumar com menos liquidez, mais volatilidade ou com ambos.

Assim, aqueles que forem mais ágeis e assertivos na mudança de suas alocações e seus investimentos serão capazes de se beneficiar deste novo cenário e desta apreciação/alta no preço dos ativos. O custo de oportunidade de “ficar parado”, alocado “no CDI”, nunca foi tão grande.

Finalmente, o cenário para a Previdência e os fundos de pensão precisará passar por uma grande revisão. As metas atuariais de IPCA +5% que dominaram os planos de pensão por décadas terão de ser repensadas. Este debate não será fácil, muito menos comunicar aos participantes.

Dan Kawa é sócio e CIO (chief investment officer) da TAG Investimentos

E-mail: dan.kawa@taginvest.com.br