Valor Econômico
17/07/2020

Por Renan Truffi e Raphael Di Cunto

Bancadas da Câmara e Senado dão como certo que a decisão do Planalto será derrubada

O veto do governo Jair Bolsonaro ao marco legal do saneamento conseguiu unir senadores de oposição, deputados governistas, partidos pró-privatizações e até os articuladores do projeto. Bancadas partidárias das duas Casas, Câmara e Senado, dão como certo que a decisão do Palácio do Planalto será derrubada na próxima sessão deliberativa. A dúvida agora é quando o assunto será apreciado. Congressistas pressionam o presidente do Davi Alcolumbre (DEM-AP) a passar o veto na frente para que o Parlamento possa, enfim, dar uma resposta ao Executivo.

Toda essa mobilização não evitou o clima ruim para o governo no Legislativo, o que pode transbordar para outros vetos e até mesmo projetos de interesse do Executivo ou da equipe econômica. O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), disse ao Valor , por exemplo, que o governo não precisa mais contar com o voto dele “para nada”. Segundo o parlamentar, a confiança “acabou” para vários senadores.

Não venha o ministro Paulo Guedes querer falar em nova CPMF, privatização da Eletrobras. Não vai aprovar. Não com o meu voto. No meu caso e no caso de muitos senadores, acabou a confiança. Vai ser uma relação completamente diferente agora”, disse. O PSD é uma das bancadas mais importantes do Senado e possui 12 parlamentares.

Otto Alencar era um dos senadores que estava resistente à apreciação do marco legal desde o início. Ele e o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), só aceitaram votar favoravelmente ao projeto em função de um acordo que preservaria o artigo 16, o que acabou não sendo cumprido. O artigo em questão prevê que os contratos de programa vigentes poderão ser reconhecidos, formalizados ou renovados mediante acordo entre as partes, até 31 de março de 2022, com prazo de vigência de até 30 anos.

Na prática, este item dava às prefeituras uma janela, até 2022, para que estas pudessem prorrogar seus atuais contratos de programa, muitas vezes firmados sem licitação, com companhias estaduais de água e esgoto. Seria uma “saída” para que os Estados não precisassem vender suas empresas durante a pandemia “à preço de banana”, nas palavras dos senadores.

Além deste veto, o governo publicou ontem no “Diário Oficial da União” os outros 11 trechos barrados pelo presidente da República no ato de sanção do marco legal. O que trata dos contratos de programa é o mais importante e, portanto, o que mais gerou repercussão, mas pelo menos outros dois também fazem mudanças significativas na lei.

Um dos trechos vetados obrigava a União a apoiar com dinheiro e assistência técnica a organização e a formação de blocos municipais, como são chamados no projeto o conjunto de prefeituras que poderão se unir e contratar de forma coletiva o serviço de saneamento. A alegação do Ministério da Economia para a decisão foi que a obrigatoriedade não foi acompanhada do cálculo de impacto financeiro e orçamentário, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. Também foi revogado todo o artigo 20, que excluía o serviço de drenagem e o setor de resíduos sólidos de algumas regras aplicadas ao serviços de água e esgoto.

Por conta disso, as bancadas já estão discutindo se vão se concentrar apenas no veto do artigo 16 ou se vão construir uma estratégia para derrubar outras decisões do Planalto sobre o mesmo texto. Ignorando este cenário adverso, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou sua live de ontem, no Facebook, para pedir que os deputados e senadores mantenham os entendimentos do Executivo. “Espero que o Congresso mantenha os vetos. O artigo 16 permite que estatais sem licitação permaneçam por mais 30 anos. Se tivesse dado certo o setor público nessa área, não teríamos 100 milhões sem esgoto e 35 milhões de pessoas sem água encanada em casa”, argumentou o presidente.

A pedido do presidente contraria o entendimento até mesmo dos partidos que integram ou estão próximos à base aliada do governo na Câmara dos Deputados. Líder da maioria na Casa, bloco que agrupa grandes partidos, como PP, PL e Republicanos, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) afirmou que não há uma posição unificada ainda e que, do ponto de vista de atração de investimentos, o veto “talvez faça sentido, mas politicamente criou uma crise muito ruim”. “Agora o ideal é votar rapidamente, que esse assunto já tivesse sido vencido, porque os investidores vão esperar essa conclusão”, explicou.

A posição dos dois relatores do marco legal no Congresso, senador Tasso Jereissati (PSDBCE) e deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), também deve ser levada em conta por suas bancadas, PSDB e DEM. Ambos defendem a revogação do veto como forma de garantir a manutenção do artigo 16. Foi Zuliani quem fez a negociação com os governadores para permitir a prorrogação dos contratos com as estatais e, assim, garantir uma “transição” entre o atual modelo e o novo.

Até mesmo o presidente da Frente Parlamentar pelo Saneamento, o deputado Enrico Misasi (PV-SP) saiu em defesa do arranjo político. “O artigo vetado é central, não tanto para a estrutura do projeto, mas para a construção política que foi feita com governadores de todos os aspectos ideológicos”, disse o parlamentar. Do lado dos governadores, a movimentação pode se converter em medidas judiciais. Os chefes dos Estados cogitam ir à Justiça como forma de resolver o impasse. A ofensiva, porém, pode criar um imbróglio judicial.