Valor Econômico

14/07/2021

Por Taís Hirata — De São Paulo

Levantamento do Valor Data analisou os balanços de 25 companhias estaduais

Ao menos dez estatais de saneamento não se enquadram nas exigências da nova lei do setor, segundo levantamento realizado pelo Valor Data, com base nas demonstrações contábeis das companhias e dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). Ao todo, foram analisadas 25 empresas públicas.

Foram identificados problemas nas companhias estaduais de Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Sergipe. A estatal de Santa Catarina também não cumpre um dos requisitos exigidos pela lei, segundo dados oficiais. Porém, a empresa alegou que o cálculo do Snis está errado e apresentou uma conta divergente (veja mais sobre como foi feito o cálculo no gráfico a baixo).

Pelas regras da nova lei, todas as companhias terão que provar que têm capacidade econômico-financeira para fazer os investimentos necessários à universalização dos serviços. Aquelas que não atenderem às exigências terão que abrir mão de contratos.

Ou seja, quanto menos estatais cumprirem os requisitos mínimos da lei, mais projetos de desestatização deverão sair.

A comprovação será feita em duas etapas. O Valor simulou a primeira fase de avaliação, que consiste na análise de quatro indicadores. Depois, há ainda uma segunda fase, mais complexa, a qual as empresas terão que apresentar estudos de viabilidade para cada contrato, planos de captação de recursos, além de laudos de um certificador independente. Portanto, o total de grupos com dificuldades pode ser ainda maior na segunda fase.

Os critérios de avaliação foram definidos pelo governo federal por meio de um decreto, publicado no dia 31 de maio de 2020.

Desde então, os critérios têm sido questionados pelas estatais, que consideram o processo rígido e falho. O prazo para a entrega dos documentos, até o fim deste ano, também é criticado. O argumento é que o próprio governo atrasou em meses a publicação da norma e, agora, cobra estudos complexos em um prazo exíguo.

Logo após a publicação das regras, a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe) reagiu com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Além desta, outras investidas judiciais deverão ser tomadas.

O Valor procurou todas as estatais que indicaram não cumprir os requisitos do decreto e compartilhou os dados, para que pudessem apontar questionamentos ou enviar atualizações.

A principal divergência foi no caso da Casan (SC). Segundo os dados oficiais, a empresa não atende o índice de suficiência de caixa. Já a empresa afirma que o Snis errou no cálculo, pois contabiliza uma amortização de dívida que foi paga com uma emissão de debêntures. Para o grupo, trata-se de uma substituição de dívida que não deveria entrar na conta.

Pelos dados do Snis, que vão até 2019, a Compesa (PE) também não atenderia ao índice de suficiência de caixa. Porém, o grupo enviou o dado mais recente, de 2020, e passou a atingir a meta.

A Agespisa (PI) afirmou, em nota, que “tem condições de atender às exigências” e que acredita que a ação judicial movida pela Aesbe “vai clarear pontos da nova legislação”. A Cosanpa (PA) diz que a atual gestão tem investido mais de R$ 1 bilhão para “reverter a situação deixada por governos passados” e que cumprirá a implementação dos requisitos. A Cosama (AM) também afirma que a atual gestão trabalha para a recuperação da empresa após “uma administração que ocasionou um déficit” no grupo.

A Caema (MA) diz que está realizando estudos “para enfrentamento e adaptação ao novo cenário”. A Caer (RR) afirma que deixará de ser uma companhia estadual a passará a pertencer a uma autarquia interfederativa, que será a titular dos serviços. Portanto, não terá que se enquadrar nos critérios da lei, segundo a empresa.

Procuradas, Depasa (AC), Casal (AL), Caesa (AP), Caerd (RO), e Deso (SE) não responderam.

Para Maurício Endo, sócio da KPMG, a reestruturação das estatais deverá passar pela desestatização. “Será muito difícil fazer a universalização sem recursos privados. O caixa dos governos já era um problema, que se tornou ainda maior na pandemia”, afirma.

Parte das companhias mais problemáticas já têm projetos de desestatização em curso. É o caso de Alagoas, que já licitou um bloco regional em 2020 e agora trabalha em mais duas concessões. O Amapá deverá realizar o leilão de sua concessão no dia 2 de setembro. O Acre tem estudos avançados para um projeto. Porém, este foi paralisado no início do ano, porque o novo prefeito de Rio Branco retirou a capital do bloco.

Para Elias de Souza, sócio da Deloitte, os Estados que ainda não começaram a estruturar concessões dificilmente lançarão projetos até o fim deste ano. Portanto, terão que achar outras

saídas para se adequar ao decreto. “Muitos governos optaram por fortalecer a estatal. Para isso, é preciso melhorar a governança, a gestão e ampliar as fontes de recursos”, completa Edson Cedraz, também sócio da consultoria.

O resultado do processo deverá ser a crescente participação privada no saneamento, afirma Endo. “Será algo parecido com o telecomunicações e energia. Algumas estatais vão sobreviver. Mas, em dez anos, a participação privada já deve superar a pública.”