Valor Econômico
29/01/2020

Por Rodrigo Carro

Para economista da UFRJ, área periférica do Grande Rio é em pior situação entre as regiões metropolitanas do país

Em evidência por causa de alterações de qualidade na água distribuída no Rio de Janeiro, a degradação dos mananciais hídricos que abastecem o Sistema Guandu reflete o desequilíbrio social e econômico entre a capital e a periferia de sua região metropolitana. Entre 1940 e 2018, a população da Baixada Fluminense – onde estão alguns do municípios que mais despejam esgoto na Bacia do Rio Guandu – cresceu pouco mais de 20 vezes. Passou de 184,2 mil para 3,87 milhões de habitantes.

A urbanização não ocorreu na mesma velocidade. Segunda cidade mais populosa da região, Nova Iguaçu tinha apenas 4% de sua população urbana atendida por serviços de coleta e tratamento de esgoto em 2013, de acordo com os dados mais recentes disponíveis da Agência há 3 horas Nacional de Águas (ANA). Em Seropédica, esse percentual era nulo. Já na capital fluminense, a porcentagem estava em 66,2%.

“A periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro é, de longe, a região mais precária, entre todas as periferias metropolitanas do Sul e Sudeste”, compara o economista Mauro Osorio, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Sem discutir essa questão estrutural, não resolveremos mazelas como a atual crise hídrica.”

Osorio cita como exemplo o desempenho da periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no tocante ao ensino fundamental (primeiro ao quinto ano). Tomando por base os números de 2017 da rede pública, esse grupo de cidades fluminenses aparece atrás da periferia das regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. A comparação leva em consideração municípios com mais de cem mil habitantes.

A região metropolitana do Rio de Janeiro também está em desvantagem no ranking do nível de emprego na indústria em relação à população. Entre as dez cidades com pior desempenho, sete são do Rio de Janeiro. Ao todo, a lista reúne 68 municípios das periferias das capitais do Sul e Sudeste com cem mil ou mais habitantes.

As deficiências expressas nos indicadores socioeconômicos se estendem ao saneamento básico. “Não há dúvida, o grande poluidor dos mananciais hídricos tem CPF, e não CNPJ”, afirma a especialista em saneamento ambiental Iene Figueiredo, numa alusão à contaminação gerada pela precariedade da infraestrutura sanitária no entorno da Bacia do Rio Guandu..

Só o município de Queimados, na Baixada Fluminense, lança cerca de sete toneladas de matéria orgânica por dia na Bacia do Rio Guandu, destaca Iene, professora da Escola Politécnica da UFRJ. Além de Queimados, ela cita Japeri, Seropédica e Nova Iguaçu como os municípios que mais vertem esgoto na bacia. Todos estão localizados na Baixada Fluminense.

Parte dos 13 municípios que compõem a região é abastecida pela Estação de Tratamento de Água do Guandu. “O [Sistema] Guandu é uma obra de engenharia extraordinária. Mas, mesmo nas condições mais perfeitas de funcionamento, já é obrigado a tratar a água que entra na estação dentro dos parâmetros máximos. Tratamos a água muito fortemente com produtos químicos”, diz o economista Sérgio Besserman Vianna, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A estação tem capacidade para atender 9 milhões de pessoas, o que representa quase 70% da população da região metropolitana do Rio de Janeiro. Antes de ter parte de sua vazão captada para tratamento, o Rio Guandu recebe água transposta do Paraíba do Sul, que, por sua vez, já foi contaminado a esta altura por resíduos dos Estados de São Paulo e Minas Gerais.

Em 1955, quando foi inaugurada a Estação de Tratamento de Água do Guandu, a população da Baixada Fluminense era inferior a 1 milhão de habitantes. Sessenta e três anos depois, em 2018, esse total era de 3,87 milhões de pessoas. A urbanização acelerada da região – principalmente entre 1940 e 1980 – foi impulsionada pela migração inter-regional em direção à capital fluminense.

No Estado do Rio de Janeiro, as primeiras levas de migrantes mais pobres se estabeleceram em favelas enquanto as ondas seguintes se instalaram na Baixada Fluminense, lembra Mauro Osorio. A urbanização deficiente, no entanto, é resultado de um conjunto mais amplo de fatores. “A crise é estrutural: desde a década de 1970 o Rio de Janeiro foi o Estado brasileiro que menos cresceu economicamente”, acrescenta o economista.

O fato de a cidade do Rio sediar a capital federal até 1960 e, posteriormente, o Estado da Guanabara também contribuiu para concentrar investimentos públicos na cidade do Rio de Janeiro. “Até 1975, [quando foi extinto o Estado da Guanabara,] todo imposto arrecadado na cidade ficava na cidade”, diz o professor da UFRJ. A área ocupada pelo antigo Estado da Guanabara corresponde à do município do Rio de Janeiro.

O cientista político Maurício Santoro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), frisa que a Baixada Fluminense não foi prioridade dos governos estaduais nas últimas décadas após a redemocratização do país (1985). “Esse abandono tem um custo ambiental para a capital e para o Estado como um todo”, sustenta Santoro. Na região, prevalece um ambiente político dominado por algumas famílias que ascenderam a partir do apoio ao regime militar nas décadas de 1960 e 1970. “Na capital, o que se vê é uma maior alternância de grupos políticos no poder”, compara Santoro.