Valor Econômico
05/02/2020

Por Tomás Goulart

A virada de 2019 para 2020 marcava uma mudança na dinâmica econômica global.

A economia mundial desde 2018 apresentava desaceleração e essa se confundia com o princípio das tensões comerciais entre EUA e China e a tentativa de normalização da política monetária no mundo, após um longo período de excessiva liquidez. O final de 2019, contudo, marcou a reversão de grande parte desses fatores, com o encaminhamento da fase 1 do acordo comercial entre os EUA e China, a resolução do Brexit (fonte de turbulência para a economia europeia) e cortes de juros em diversos países. Esse cenário era confirmado por indicadores antecedentes divulgados na Ásia, Europa e demais emergentes.

Tudo indicava um ambiente positivo à frente, com um processo de recuperação da atividade global puxada pelas economias asiáticas. Esse movimento, por sua vez, pressionaria as commodities e faria com que, ao longo do tempo, o mundo voltasse a discutir a normalização das políticas monetárias.

Porém, com o surgimento da epidemia de um novo coronavírus na cidade de Wuhan, na China, esse cenário foi posto à prova. As lembranças de uma crise causada pela mesma família de vírus entre 2002 e 2003, chamada de Sars, trouxeram preocupações acerca dos impactos sobre o crescimento global – em especial, do país asiático, que dava início ao seu processo de recuperação econômica. Com mais de 8 mil infectados e 800 mortes, em pelo menos 12 países, a crise do início dos anos 2000 teve significativas consequências de curto prazo sobre as estatísticas de crescimento chinesas no segundo trimestre de 2003, com recuperação completa no semestre seguinte e retorno à velocidade de crescimento que prevalecia anteriormente, sem efeitos mais duradouros sobre o PIB.

A descoberta do vírus próxima ao feriado do Ano Novo Lunar Chinês e as precauções tomadas pelo governo para impedir um maior avanço da doença deverão gerar um grande impacto sobre os indicadores de atividade econômica chinesas do primeiro trimestre de 2020 – o que é referendado pelos primeiros números de atividade referentes ao feriado chinês. Importante notar que as consequências dessa desaceleração serão maiores que as anteriores, já que, naquela ocasião, o PIB chinês representava cerca 4% do PIB mundial e, hoje, o país totaliza em torno de 16% da economia global.

Para os trimestres posteriores, caso a epidemia seja contida com as medidas já tomadas e não se espalhe em grande escala para outros países, espera-se uma recuperação similar à ocorrida em 2003, com a velocidade de crescimento voltando ao normal no segundo semestre do ano. Se não, o efeito pode perdurar por um período maior, postergando o retorno para a realidade anterior. Uma possível consequência mais duradoura sobre a atividade viria de um aumento da incerteza, com os agentes econômicos evitando realizar investimentos ou postergando o consumo, com receio de uma maior extensão do choque.

Qual a implicação disso para a política monetária? Um choque de atividade no período inicial de recuperação vai exigir que o comportamento seja diferente do imaginado anteriormente. Nos países mais afetados pelo evento, as políticas monetárias deverão ficar mais frouxas, a fim de auxiliar na recuperação do choque de atividade. Desde o início do surto, por exemplo, as commodities já tiveram resposta significativa, com o petróleo e o cobre apresentando quedas acima de 10%.

Internamente, podemos dizer que o caso brasileiro não é muito diferente do que ocorre nos países asiáticos. Ao percebermos o aumento nas concessões de crédito, é inegável notar que os cortes de taxa de juros estão sendo repassados para a economia. Apesar disso, as perspectivas mais otimistas para o PIB de 2020 vão aos poucos perdendo força, por conta de números menos favoráveis de atividade relativos ao final de 2019, resultando em menor carregamento estatístico.

O susto na atividade global ocorre no momento em que estamos na aurora de nossa recuperação do crescimento. A inflação, após dar um susto no final de 2019, voltou de maneira célere ao patamar anterior e as projeções para 2020 oscilam entre 3,0% e 3,5%, abaixo da meta de 2020, que é de 4,0%. O balanço de riscos para a Selic pende para necessidade de novo corte de juros e, caso o efeito negativo para a atividade advindo do choque externo seja maior do que o previsto, há espaço, via inflação, para que o ciclo de política monetária se encerre em um patamar abaixo de 4,25%. O coronavírus chegou num momento pouco oportuno para o crescimento econômico e vai exigir que os bancos centrais atuem com estímulos por mais tempo do que desejavam.

Tomás Goulart é economista-chefe da Novus Capital E-mail: tgoulart@novuscapital.com.br

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